Na minha família, o natal sempre foi celebrado à velha moda cristã. Um tanto previsível, porquanto íamos à igreja orar, celebrar o nascimento de Jesus Cristo, assistir à cantata de natal, abraçar os amigos. Depois voltávamos para casa, que nos esperava com um reconfortante clima acolhedor e festivo. Era o natal em seu lugar-comum, mas exatamente como aprendemos que deveria ser.
Havia um sentimento de cumplicidade em partilhar do “espírito natalino”, como dizem, seja lá o que isso for. Talvez uma sensação mútua de contentamento, religiosamente acalentada. E ainda apetece-me ter a família reunida com essa porção de pormenores típicos do natal: sorrisos estampados nos rostos, abraços apertados, gentilezas trocadas, toalha de mesa endireitada, comida e estórias partilhadas.
Mas o tempo passa e a cada dia o natal é cada vez mais uma fúria consumista absolutamente impiedosa. Antes se ouvia a música metálica dos sinos, hoje se ouve o som frenético das máquinas de cartão de crédito. Sai de cena o Cristo, entra o senhor bonachão de calças vermelhas. Se o filho de Deus não mais é lembrado, de Papai Noel muito se fala.
Mas não de maneira a fazer justiça ao personagem - inspirado originalmente em um homem simples, com uma vida e uma estória simples, nada tendo a ver com o sistema capitalista que o transformou em símbolo e que, por sua vez, transformou o natal em um evento elitista.
A lenda do Papai Noel (Pai Natal em Portugal) é inspirada no arcebispo São Nicolau Taumaturgo, que viveu na Turquia no século IV. Ele tinha o costume de ajudar os necessitados depositando um pequeno saco com moedas de ouro, entrando nas casas pela lareira. Durante o inverno, resgatava crianças pobres de rua dando-lhes roupa e alimento. Famoso pela generosidade, a ele foram atribuídos diversos atos considerados milagrosos.
Seus fiéis, então, passaram a imitá-lo, principalmente em época de frio. Daí o surgimento da figura do Papai Noel e a explicação para muitas pessoas serem tomadas por um ímpeto de solidariedade em véspera do natal.
Entrementes, o sentimento que inspirou a estória, que mostra o melhor do ser humano, desapareceu quase por completo e o que prevaleceu foi uma sede de consumo e um sentimento de obrigatoriedade para saciar essa sede. E esse bom velhinho, inspirado em generosidade e doação, virou a insígnia do capitalismo.
Antigamente não havia uma imagem unânime do Papai Noel. Ele era ilustrado de muitas maneiras, com traços e estilos variados. Algumas figuras eram de um homem magro, muito mais reservado do que este sorridente Noel que conhecemos. Em alguns países era retratado com vestes episcopais, geralmente na cor verde, combinando com tons sóbrios.
Por volta de 1886, um famoso cartunista alemão, Thomas Nast, desenhou o Papai Noel com uma roupagem de inverno na cor vermelha, tal como o conhecemos hoje. A ilustração foi feita para a revista norte-americana Harper’s Weeklys. Ao contrário do que muitos pensam, as cores da roupa do papai Noel nada têm a ver com a marca Coca-Cola. Aliás, a Coca-Cola nunca foi detentora do Papai Noel, muito menos o criou. Mas tem um poderoso mérito no processo de concretização da figura natalina, tal como a conhecemos hoje.
Aconteceu que durante muito tempo a Coca-Cola viu as vendas da bebida diminuírem consideravelmente durante o inverno, causando grande prejuízo para a marca. Já em 1931, a empresa decidiu reverter esse quadro, executando uma das mais famosas e impactantes campanhas publicitárias até hoje conhecidas. Com esse objetivo, o ilustrador Haddon Sundblom foi contratado pela empresa para uma releitura do personagem natalino. “Uma pausa refrescante” seria o slogan. E deu certo. A campanha, que propôs o Papai Noel bebendo o refrigerante, alavancou as vendas da Coca-Cola durante o inverno e perpetuou a imagem do bom velhinho.
Esse novo visual mais encorpado do Papai Noel, um senhor rechonchudo e bonachão, do jeito que conhecemos, foi curiosamente inspirado no vizinho aposentado de Sundblom. A nova imagem espalhou-se rapidamente mundo afora, fazendo imenso sucesso.
Sundblom foi responsável pela propaganda natalina da Coca-Cola até o ano de 1964. Ele morreu em 1976 – e confessou à revista Rolling Stone que nunca gostou do sabor do famoso refrigerante.
Antes da Coca-Cola, no entanto, a figura do Papai Noel já era usada para algumas propagandas, mas foi a referida campanha da marca, em 1931 – com Sundblom – que deu a largada para que o Papai Noel fosse, de fato, transformado do generoso bom velhinho para um senhor efusivo que promove não o espírito de natal, mas sim o de consumo. Mas quem pode culpar o velhinho? E Papai Noel continua rindo de tudo isso. E ri com tanto entusiasmo que parece saber que não haveria mesmo jeito nenhum de acertar as coisas por aqui.
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