Rosário quer união da esquerda às eleições de 2016. JONATHAN HECKLER/JC
Marcus Meneghetti
A deputada federal Maria do Rosário (PT) acredita que, na próxima eleição municipal em Porto Alegre, a unidade entre os partidos de esquerda é fundamental. Candidata à prefeitura da Capital em 2008, agora ela sustenta que só se candidatará se seu nome for consenso entre as legendas que se dispuserem a formar uma aliança – sobretudo entre PT, PCdoB e PTB. Entretanto, enfatiza que “o nome da deputada estadual Manuela d’Ávila (PCdoB) está colocadíssimo”.
Única representante das mulheres na bancada gaúcha na Câmara dos Deputados, a petista também analisa a diminuição da participação das mulheres no Congresso Nacional. Do ponto de vista da representação feminina, Maria do Rosário reconheceu que o resultado das eleições de 2014 a deixou surpresa, pois, segundo ela, o Rio Grande do Sul sempre contou com a participação das mulheres na política – exemplificando com o caso da própria presidente Dilma Rousseff (PT), que construiu a carreira política no Estado.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, analisa ainda o que a vitória do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara dos Deputados representa para o governo, e critica os movimentos de criminalização do PT, que, na sua avaliação, têm usado os escândalos na Petrobras para atacar a imagem do partido. Opina também sobre os itens que considera imprescindíveis ser modificados durante a reforma política.
JC – A senhora é, agora, a única mulher na bancada gaúcha entre 31 deputados federais. Como avalia esse cenário?
Maria do Rosário – De certa forma, fiquei surpresa com essa representação tão diminuta das mulheres, num Estado com uma participação feminina tão importante. A própria presidente Dilma Rousseff se constituiu, na vida política, trabalhando em diversos espaços de funções públicas no Rio Grande do Sul. Os movimentos sociais ligados à luta feminista são fortes e históricos no Estado. O desafio que me cabe é fazer com que essa legislatura possa contribuir para modificar esse resultado nas próximas eleições. Isso se faz através de uma atuação combinada. De um lado, enfrentando a estrutura que constrói a exclusão das mulheres, afinal, no plano nacional, somos menos de 10% em termos de representação feminina no Parlamento. Esse problema estrutural passa pelo financiamento das campanhas, que está cada vez mais mercantilizado: as mulheres se movimentam menos no mundo do financiamento privado, têm menos apoio e enfrentam barreiras culturais, como o machismo, por exemplo. Por outro lado, é necessário fazer uma mobilização para atuar sobre a cultura política do Estado, buscando uma representação mais ampla das mulheres. Isso envolve nosso mandato federal, os mandatos das deputadas estaduais – já conversei com algumas sobre isso – e as vereadoras do Rio Grande do Sul.
JC – As cotas reservadas às mulheres durante o período eleitoral funcionam?
Maria do Rosário – As cotas cumpriram um papel importante até agora: retirar as mulheres da invisibilidade do período eleitoral, dentro dos partidos. As legendas tiveram que buscar a participação das mulheres. Mas é uma visão utilitarista da participação das mulheres. As mulheres estão mais presentes pelas cotas, mas avalio que ainda não existe um fazer político que seja caracterizado pela condição feminina. Muitas mulheres participam da vida política, fazendo política de exclusão, aderindo aos estereótipos masculinos. E talvez a nossa era – uma época da diversidade – seja a de incluirmos formas de ser, culturas de outras etnias, práticas que venham do universo feminino.
JC – A senhora mencionou que algumas mulheres aderem à política de exclusão feita por muitos parlamentares. No Congresso Nacional, em que práticas isso fica evidente para a senhora?
Maria do Rosário – Realmente a política é um ambiente muito masculino, que ora apresenta-se sob um viés machista e preconceituoso; ora sob uma perspectiva excessivamente protetiva, sobretudo na relação com as mulheres. E acho que nenhuma de nós, mulheres, chegou ao Congresso Nacional para precisar da proteção ou do ataque de quem quer que seja. O Congresso ainda é um ambiente hostil para as mulheres. Se nós, mulheres, disputamos os espaços de liderança, espaços de ponta, o ambiente se torna hostil.
JC – O que a eleição do deputado federal Eduardo Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados representou para o governo?
Maria do Rosário – Acredito que a eleição do Eduardo Cunha demonstrou a fragilidade da base aliada do governo, sobretudo, no que diz respeito ao PMDB, que é o maior partido aliado do governo. Eduardo Cunha, apesar de fazer parte de um partido da base, colocou sua candidatura como oposição. Isso pode dificultar a governabilidade. Além disso, ele já anunciou que não vai levar adiante algumas pautas de interesse das minorias.
JC – Dentro do PT, os campeões de candidaturas para as chapas majoritárias – prefeitura e governo do Estado – são os ex-governadores Olívio Dutra e Tarso Genro. A senhora pode alterar essa hegemonia, sendo candidata a prefeita em 2016?
Maria do Rosário – São figuras excepcionais que qualquer partido teria honra de tê-los no quadro; figuras éticas que contribuíram para a política do Estado e do Brasil. Não vejo a necessidade de superação. Não penso que a política, no Brasil, seja um enfrentamento entre gerações. Há, sim, um enfrentamento entre ideias mais progressistas e setores mais fundamentalistas e retrógrados da sociedade, que podem inclusive estar representados em jovens com ideias velhas.
JC – Isso significa que a senhora pensa em 2016?
Maria do Rosário – (A eleição de) 2016 tem que ser uma construção coletiva. É hora de alternância (na prefeitura) para o bem da cidade. Avalio que a atual administração – que começou com o prefeito (José) Fogaça (PMDB) – não consegue oferecer serviços de qualidade. A cidade está com obras – viabilizadas por recursos federais – acontecendo em vários lugares, mas há uma incapacidade de gerenciamento para concluí-las. Além disso, é hora de quem governa a prefeitura se abrir para as coisas que estão acontecendo no mundo, no Brasil e mesmo em Porto Alegre. A cidade da diversidade é aquela que cria uma economia criativa, estrutura-se a partir de diferentes linguagens, a partir da participação da população. O governo municipal tem que valorizar o que acontece, por exemplo, nos blocos de Carnaval – manifestação que não se originou e nem foi fomentada pelo poder público municipal. São manifestações que brotam da opinião livre da sociedade. A administração tem que dialogar com essas manifestações.
JC – A senhora já está com o discurso afiado para 2016...
Maria do Rosário – Mas é um discurso pela qualidade de vida, pela cidade que sou apaixonada, pelo lugar que vivo apesar de morar em Brasília. Não é um discurso de campanha. Por que não é um discurso de candidatura? Porque penso que o PT e os demais partidos, que têm capacidade de dialogar sobre essa cidade real, têm que construir uma aliança antes de apresentar candidaturas. Primeiro, acho que deveríamos formar uma frente de ideias para Porto Alegre, ouvindo a cidade, tendo a população como núcleo central. Depois, constituída essa frente, aí podemos escolher uma candidatura que nos represente: pode ser do PT, do PTB, pode ser a (deputada estadual) Manuela (d’Ávila) do PCdoB. Precisamos constituir um nome a partir de ideias.
JC – O núcleo dessa possibilidade de aliança seria o PT, PCdoB e PTB?
Maria do Rosário – Os atuais gestores estão descolados dessa cidade criativa, que precisa de gestores mais vinculados a ela. Partidos como o PT, o PCdoB e o PTB – um partido que está bastante presente nas comunidades, com quem temos tido um diálogo bem interessante – têm a capacidade de dialogar com as diversas manifestações da população. Mas, para construir uma aliança, também precisamos estar abertos ao diálogo com outros partidos variados. Por exemplo, o P-Sol. Claro, a Luciana Genro (P-Sol) jamais vai dizer que quer conversar conosco porque faz parte da sua... Mas acho que temos que ter a disposição para isso. Talvez ela não queira, mas por que não conversar com a Luciana Genro, com o Pedro Ruas (P-Sol)? Também devemos estar abertos ao diálogo com os setores que estão organizando a Rede, por exemplo, que tem o Marcos Rolim como um dos interlocutores, que é uma pessoa que também atua sob a visão dos direitos humanos. Temos que estar abertos para conversar com outros setores.
JC – Nesse momento, construir a unidade é mais importante que indicar os nomes dos candidatos...
Maria do Rosário – Acho que sim. Mas os nomes estão colocados. Acho que o nome da Manuela (d’Ávila) está colocadíssimo. Se essa frente de partidos achar que sou um bom nome, poderei ser candidata. Mas não serei candidata contra outro pré-candidato... Por exemplo, não faria uma disputa, uma prévia dentro do PT. Não por arrogância, mas porque acho que a hora é de unidade. Acho as disputas muito boas, mas estou preferindo que a gente dispute ideias, não nomes. Também não teria disposição de ser candidata contra a Manuela. Acho que devemos nos unir. Vamos pensar sobre a cidade, num primeiro momento. Deveríamos ter uma mesa, onde todas essas pessoas possam conversar sobre a cidade. Porto Alegre não é mais a cidade que o PT governou, e não pode ser uma cidade do passado. Mas as ideias que fizemos existir na cidade continuam vivas. E quem governa a cidade hoje o faz com métodos do passado, anteriores ao período do PT.
JC – A senhora mencionou que o Parlamento está afastado da sociedade. Isso se reflete na atitude da maioria dos parlamentares de rejeitar o referendo sobre a reforma política?
Maria do Rosário – O tema da reforma política é um dos exemplos mais adequados para demonstrar a incapacidade do Parlamento de fazer a reforma das instituições políticas a partir de si própria. A reforma política não acontecerá sem a participação da sociedade. E, se acontecer, vai diminuir ainda mais o controle que a sociedade precisa ter dos eleitos, dos mandatos – inclusive com instrumentos para avaliar a atuação dos parlamentares. E o papel dos parlamentares de esquerda é abrir as portas para a sociedade ocupar o seu espaço dentro dos três poderes, a começar pelo Congresso Nacional, que nunca poderia ter deixado de ser aquele poder mais próximo à sociedade – o que também vale para as assembleias legislativas e câmaras de vereadores.
JC – Na sua opinião, quais os pontos que devem ser mudados, impreterivelmente, numa reforma política?
Maria do Rosário – Tenho trabalhado muito com a ideia de qualidade da democracia, o que não se refere apenas às instituições. É preciso que as instituições superem o espírito de “corpo”, compreendendo o serviço público que elas precisam prestar. Nesse sentido, vejo que a qualidade da democracia exige partidos, a ampliação da participação de gêneros, a redução drástica dos gastos eleitorais, através do financiamento público. É preciso ter um limite de gastos para todas as campanhas eleitorais, servindo de parâmetro para que as candidaturas não sejam apresentadas pelo poder econômico. Esses aspectos são fundamentais para a democracia no futuro. Mas isso não exclui a importância da participação direta da sociedade: consultas sobre projetos de lei, audiências no Parlamento, consultas através de redes sociais, a otimização da ouvidoria A Câmara tem uma ouvidoria, mas precisaria estar mais atenta.
JC – Que impacto que os esquemas de corrupção da Petrobras podem causar ao governo?
Maria do Rosário – Em primeiro lugar, nós, do Partido dos Trabalhadores, defendemos que as denúncias sejam apuradas. É um absurdo o que foi feito na Petrobras. Queremos que os envolvidos sejam punidos e, principalmente, que devolvam até o último centavo o que foi desviado. Mas também não somos ingênuos e sabemos que há movimentos para criminalizar o PT, usando principalmente a Petrobras para isso.
Perfil
Natural de Veranópolis, Maria do Rosário Nunes, 48 anos, mudou-se na infância para a Capital. Começou sua atuação política no movimento estudantil e, aos 14 anos, já fazia parte do PCdoB, ainda na clandestinidade. Com o fim da ditadura militar, engajou-se na luta pelas Diretas Já e pelo voto aos 16 anos. Maria do Rosário é formada em Pedagogia. Lecionou na rede pública municipal e estadual. Em 1992, pelo PCdoB, sigla em que permaneceu por quase quinze anos, foi eleita vereadora. Em 1994, filiou-se ao PT. O segundo mandato na Câmara Municipal foi interrompido porque ela se elegeu deputada estadual, em 1998. Em 2002, obteve vaga na Câmara dos Deputados, sendo reeleita em 2006 e 2010. A parlamentar se destacou no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. Em 2004, foi candidata a vice-prefeita de Porto Alegre, ao lado de Raul Pont (PT), e disputou a prefeitura em 2008. Foi ministra de Direitos Humanos durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (PT).
Publicado na edição impressa do Jornal do Comércio de 09/02/2015
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