Leonardo Boff segue na sua missão de tentar nos convencer que a Igreja Católica tem jeito
Francisco: um Papa que presidirá na caridade
Importa que o Papa Francisco seja um João
XXIII dos novos tempos, um “Papa buono”, como já o mostrou. Só assim
poderá resgatar a credibilidade perdida e ser um luzeiro de
espiritualidade e de esperança para todos
16/03/2013
Leonardo Boff em Brasil de Fato
A
grave crise moral que atravessa todo o corpo institucional da Igreja
fez com que o Conclave elegesse alguém que tenha autoridade e coragem
para fazer profundas reformas na Cúria romana e presidir a Igreja na
caridade e menos na autoridade jurídica, enfraquecendo as igrejas
locais. Foi o que acenou o novo Papa Francisco em sua primeira fala. Se
isso ocorrer ele será o Papa do terceiro milênio e abrirá uma nova
“dinastia” de Papas vindos das periferias da cristandade.
A figura
do Papa é talvez o maior símbolo do Sagrado no mundo Ocidental. As
sociedades que pela secularização exilaram o Sagrado, a falta de líderes
referenciais e a nostalgia da figura do pai como aquele que orienta,
cria confiança e mostra caminhos, concentraram na figura do Papa estes
ancestrais anseios que podiam ser lidos nos rostos dos fiéis na praça de
São Pedro. Nesse espírito quebrou os protocolos, se sentiu gente do
povo, pagando sua conta no lugar onde se hospedou, indo de simples carro
para a Basílica Santa Maria Maior e conservando sua cruz de ferro.
Para
os cristãos é irrenunciável o ministério de Pedro como aquele deve
“confirmar os irmãos e as irmãs na fé” segundo o mandato do Mestre. Roma
onde estão sepultado Pedro e Paulo, foi desde os primórdios, referência
de unidade, de ortodoxia e de zelo pelas demais as igrejas. Esta
perspectiva é acolhida também pelas demais igrejas não-católicas. A
questão toda é a forma como se exerce tal função. O Papa Leão Magno
(440-461), no vazio do poder imperial, teve que assumir a governança de
Roma para enfrentar os hunos de Átila. Tomou o título de Papa e de Sumo
Pontífice que eram do Imperador, incorporou o estilo imperial de poder,
monárquico e centralizado com seus símbolos, as vestimentas e o estilo
palaciano. Os textos atinentes a Pedro que em Jesus tinham um sentido de
serviço e de amor, foram interpretados, no estilo romano, como estrito
poder jurídico. Tudo culminou com Gregório VII que com o seu “Dictatus
Papae”(a Ditadura do Papa) arrogou para si os dois poderes, o religioso e
o secular. Surgiu a grande Instituição Total, obstáculo à liberdade dos
cristãos e ao diálogo com o mundo moderno globalizado.
Esse
exercício absolutista foi sempre questionado, especialmente, pelos
Reformadores. Mas nunca foi amenizado. Como reconhecia João Paulo II, no
seu documento sobre o ecumenismo: este estilo de exercer a função de
Pedro é o maior obstáculo à unidade das Igreja e à aceitação por parte
dos cristãos vindos do mundo democrático. Não basta a espetacularização
da fé com grandes eventos para suprir tal deficiência.
A atual
forma monárquica deverá ser repensada à luz daquela intenção de Jesus.
Será um Papado pastoral e não professoral. O Concílio Vaticano II
estabeleceu os instrumentos para esta forma: o sínodo dos bispos,
feito até agora apenas consultivo, quando fora pensado, deliberativo.
Criar-se-ia um órgão executivo que com o Papa governaria a Igreja.
Criou-se pelo Concílio acolegialidade dos bispos, quer dizer,
as conferências continentais e nacionais ganhariam mais autonomia para
permitir um enraizamento da fé nas culturais locais, sempre em comunhão
com Roma. Não é impensável que representantes do Povo de Deus desde
cardeais, até mulheres ajudariam a eleger um Papa para toda a
cristandade. Faz-se urgente uma reforma da Cúria na linha da
descentralização. Certamente o que fará o Papa Francisco. Por que o
Secretariado para as religiões não cristãs não pode funcionar na Ásia? O
Dicastério da unidade dos cristãos em Genebra, perto do Conselho
Mundial de Igrejas? O das missões, em alguma cidade da África? O dos
direitos humanos e justiça, na América Latina?
A Igreja Católica
poderia se transformar numa instância não autoritária de valores
universais dos direitos humanos, os da Mãe Terra e da natureza, contra a
cultura do consumo, em favor de uma sobriedade condividida. A questão
central não é mais a Igreja mas a Humanidade e a civilização que podem
desparecer. Como a Igreja ajuda em sua preservação? Tudo isso é
possível e realizável, sem renunciar em nada à substância da fé cristã.
Importa que o Papa Francisco seja um João XXIII dos novos tempos, um
“Papa buono”, como já o mostrou. Só assim poderá resgatar a
credibilidade perdida e ser um luzeiro de espiritualidade e de
esperança para todos.
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor
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