O sistema bancário do Chipre e a
atratividade do país a milionários podem ajudar a explicar a crise que
ameaça a econonomia cipriota - a pior em cerca de 40 anos.
Para se tornar atraente para o capital
estrangeiro, a ilha tem um dos regimes fiscais mais favoráveis da
Europa. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), o imposto sobre a renda de uma empresa no Chipre é de
10% - muito inferior à média europeia, entre 25% e 35%.
"O Chipre se tornou um oásis para os
investidores estrangeiros, principalmente os oligarcas russos. A ilha é
hoje o principal destino do capital russo no exterior", explica Anne
Laure Delatte, especialista em mercados financeiros do Observatório
Francês de Conjuntura Econômica.
Os bancos cipriotas também oferecem taxas de
remuneração muito maiores do que as praticadas nos outros países da zona
do euro e são conhecidos pelo pouco rigor no controle da origem do
capital.
O peso do dinheiro russo na ilha é tão forte que
o Chipre decidiu naturalizar alguns de seus investidores mais
importantes, que podem se beneficiar do regime fiscal.
Uma medida extraordinária do governo, adotada em
2007, autoriza a nacionalização de pessoas com mais de 35 anos que
tenham investido ao menos 17 milhões de euros (R$ 44 milhões) nos bancos
do país ou que dirijam empresas com faturamento anual superior a 85
milhões de euros (R$ 222 milhões). Entre 2007 e 2010, cerca de 30
oligarcas russos adotaram a nacionalidade cipriota.
Segundo dados do Instituto Internacional de
Finanças (IIF), no final do ano passado os depósitos nos bancos
cipriotas somavam 70 bilhões de euros. Desse total, 20 bilhões seriam de
clientes não residentes na União Europeia - 85% deles russos ou
ucranianos.
O Chipre não é formalmente considerado um
paraíso fiscal, mas a pouca transparência do sistema bancário do país
contribui para a desconfiança dos governos europeus e investidores
internacionais. Há suspeitas de que os russos utilizam os bancos
cipriotas para atividades ilegais, como evasão fiscal e lavagem de
dinheiro.
"O dinheiro russo transita pelos bancos
cipriotas e volta para a Rússia, muitas vezes para ser injetado em
setores onde a corrupção é forte, como o imobiliário. Daí as suspeitas
de lavagem de dinheiro", comenta Delatte.
'Epicentro da crise'
Para a Anne Laure Delatte, um dos pilares da
crise no Chipre é o sistema bancário do país, que tem um peso enorme
sobre a economia. "Os ativos dos bancos cipriotas representam 8% do
Produto Interno Bruto (PIB) do país, enquanto a média europeia é de
3,5%", diz.
O IIF também considera que "o peso descomunal do
sistema financeiro cipriota se tornou o epicentro da crise no país". Os
ativos dos bancos representavam, no final de 2012, 700% do PIB do
Chipre.
Os bancos da ilha têm uma situação particular em
relação ao resto da Europa. Eles detém pouca dívida pública e contam
principalmente com os depósitos dos correntistas para financiar suas
atividades.
Especialistas consideram, entretanto, que esse
sistema poderia ainda sobreviver por bastante tempo se não fosse a
dependência do Chipre da divida grega. "A crise grega foi fatal para o
Chipre", explica Anne Laure Delatte.
Quando, há cerca de um ano, a União Europeia
decidiu perdoar metade da dívida grega para evitar a falência do país,
os bancos cipriotas registraram perdas entre 4 e 5 bilhões de euros.
Resgate
À beira da bancarrota, a ilha de 850 mil
habitantes vive sua pior crise econômica desde 1974, quando o país
sofreu um golpe de Estado e foi invadido por tropas turcas.
No dia 16 de março, representantes da União
Europeia anunciaram que o Chipre seria o quinto país europeu a receber
um pacote de resgate da União Europeia - depois de Espanha, Grécia,
Irlanda e Portugal.
O pacote prevê que dos 17 bilhões de euros
necessários para recapitalizar os bancos do país e financiar a dívida
pública, 10 bilhões serão disponibilizados pela UE e FMI e o governo
cipriota deve levantar o restante.
Em contrapartida, Bruxelas impôs a medida
inédita de tributar todos os depósitos bancários do país. A proposta
inicial, que previa a cobrança de uma taxa de 6,75% em contas de 20 mil a
até 100 mil euros (de R$ 52 mil a R$ 260 mil) e de 9,9% nas contas
acima desse valor, causou uma corrida aos caixas eletrônicos e
preocupação entre correntistas de toda a Europa.
A proposta, no entanto, foi recusada pelo
parlamento do Chipre e representantes da UE, FMI e Banco Central Europeu
discutem agora um plano B.
Para evitar a retirada em massa das poupanças, os bancos do país foram fechados até a próxima quinta-feira.
No sábado, em Bruxelas, o ministro das Finanças
do Chipre, Michael Sarris, diz que seu país fez um ''progresso
significativo'' nas negociações com a UE para um novo plano.
Ele afirmou ainda que o governo cogita agora cobrar taxas de até 25% sobre depósitos de mais de 100 mil euros feitos na ilha.
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