Começou tudo de novo. Passou uns
tempinhos e o pessoal, preocupado com bullying e fashion weeks, voltou à
carga trazendo à baila para o baile aquela festança que abundou no
Barsil (ou é Brisal? Vivo confundindo o nome do país) as alegrias de
fazer cara feia e apontar o dedo para o políticamente incorreto.
Está nas folhas e em despacho oficial. O
Ministério Público Federal quer retirar de circulação exemplares do
dicionário Houaiss, sob alegação de que a obra contém referências
“preconceituosas” e “racistas” contra ciganos.
Estes, por sua vez, sempre segundo o noticiário, nada têm a dizer sobre o assunto.
Algum zíngaro (êi, “seu” Ministério, zíngaro
pode?) foi consultado a respeito? Uma delegação compareceu à sede do
Ministério Público Federal para dar queixa?
Nem me ocorre indagar se a Academia Brasileira
de Letras foi consultada. Os acadêmicos estão mais ocupados brincando
com suas espadinhas fantasiados de imortais franceses nos altos
edifícios de sua indiferença ao que fazem em nome da língua que já foi
portuguesa do Brasil e, agora, com seu aval, estende seus tentáculos
para com Portugal e colônia menores, pois a reforma, que eles gostam de
chamar de “acordo ortográfico”, dá um dinheirão para a indústria do
livro e aqueles – como os “imortais” – que dela vivem.
Desconfio que o dicionário Houaiss pisou nos
calos de algum figurão com uma espada maior e mais mortífera do que as
outras. No entanto, fui conferir e lá está mesmo, no Houaiss, constando
ainda as acepções “zíngaro”, “vida incerta e errante”, “boêmio,
“vendedor ambulante”, “mascate”. Tsk, tsk, tsk.
A notícia com que me ocupo hoje não aconteceu (é
preciso escrever sobre como se anda usando esse verbo de uns anos para
cá) entre os chamados “alfabetizados” do país. Esses estão mais
preocupados com BBBs e a eterna questão do “denegrir a imagem do país no
estrangeiro”.
Voltando ao Ministério Público Federal: em nota
oficial, ele argumenta que, em versões eletrônicas, o Houaiss chega a
definir “cigano” como “aquele que faz barganha”, “esperto no negociar” e
“apegado ao dinheiro, agiota, sovina”.
O Houaiss diz isso mesmo. Algumas páginas
eletrônicas e gutemberguianas adiante, na letra jota, lá está outra
infâmia, digo apontando o dedo duro que Deus ou Jeová me deram: na
entrada referente a “judeu”, além de dar a definição mais aceita
(“indivíduo da tribo de Judá”), acrescenta ainda, cuidando de avisar que
é uso pejorativo, que a palavra pode ser empregada também no sentido de
povo nômade, cigano (é, cigano) e – horror dos horrores – “pessoa
usurária, avarenta”.
“Judiaria”, em seu sentido figurado, também está exposta à visitação pública, Que coisa, hem, sô!
Mas a ação da Procuradoria proposta em
Uberlândia (MG) pede a supressão dos termos e o pagamento, pela editora
Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss, de R$ 200 mil de indenização por
“dano moral coletivo”.
Segundo a Procuradoria, a atribuição viola o
artigo 20 da Lei 7.716/89, que tipifica o crime de racismo. O Instituto
informou que o diretor Mauro Villar, que poderia falar sobre o assunto,
está fora do Brasil. Será ele um “cigano”, na melhor acepção do termo,
se essa tiver sido poupada?
Enquanto isso, na ABL, há farta distribuição de jetons e é servido um chazinho com biscoitos importados e pão de leite.
Uma rápida conferida em outras páginas do
Houaiss me informa que “racismo” é o “conjunto de teorias e crenças que
estabelecem uma hierarquia entre as raças, entre as etnias.”
E “veado”, além do mamífero ruminante é também usado para se referir a homossexuais do sexo masculino.
Mais: “preto” diz-se de uma “pessoa que pertence
à raça negra”. E que “crioulo” pode ser “cria ou escravo que ...” –
segurem-se – “... ou quem é nascido no Brasil” e ainda acrescentam
“diz-se de qualquer negro”.
Fascismo? Pois não. Lá está consignado direitinho: “Tendência para o exercício de forte controle autocrático ou ditatorial”.