Da Redação Sul 21
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou à Justiça Federal mais
um militar acusado de ser responsável por crimes contra a humanidade
durante a guerrilha do Araguaia, na década de 70, no sul do Pará. O
major da reserva Lício Augusto Maciel, que usava na época o codinome de
doutor Asdrúbal, foi denunciado pelo sequestro de Divino Ferreira de
Sousa, o Nunes, capturado pelo Exército durante a repressão à guerrilha
em 1973. A ação tramita na 2ª Vara da Justiça Federal de Marabá.
De acordo com as investigações do MPF, Divino foi emboscado no dia 14
de outubro de 1973 por militares chefiados por Lício, quando estava ao
lado de outros integrantes da guerrilha. Ao avistarem os militantes,
Lício e seus homens abriram fogo. Os outros três guerrilheiros foram
executados e Divino foi sequestrado e levado com vida para a base
militar da Casa Azul, em Marabá. Apesar de ferido, Divino foi
interrogado e submetido a grave sofrimento físico em razão da natureza
da detenção. Após isso, não mais foi visto.
O MPF afirma que a responsabilização penal de Lício Augusto Maciel
decorre de participação inequívoca dele nos crimes relatados na
denúncia, o que inclusive teria sido reconhecido por ele em depoimento
prestado na Justiça Federal do Rio de Janeiro, em 2010. O sequestro de
Divino aconteceu durante a denominada Operação Marajoara, última fase
dos combates entre Exército e militantes.
A denúncia contra Lício é assinada pelos procuradores da República
Tiago Modesto Rabelo, André Casagrande Raupp, Melina Alves Tostes e
Luana Vargas Macedo, de Marabá, Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Jr.,
de Belém, Ivan Cláudio Marx, de Uruguaiana, Andrey Borges de Mendonça,
de Santos e Sergio Gardenghi Suiama e Marlon Alberto Weichert, de São
Paulo.
“Especialmente nos casos de sequestro, além da perpetração de
sevícias às vítimas para obter informação sobre o paradeiro dos demais
dissidentes (tortura), seguiram-se atos de ocultação das condutas
anteriores visando assegurar a impunidade e manter o sigilo sobre as
violações a direitos humanos. Ou seja, ao sequestro clandestino segue a
negativa estatal de sua própria ocorrência”, relataram os procuradores
da República.
Primeiro denunciado pelo MPF foi Curió
Esta é a segunda ação penal movida pelo MPF contra militares
envolvidos em crimes contra a humanidade e graves violações a direitos
humanos durante a repressão violenta à guerrilha do Araguaia. O primeiro
denunciado foi Sebastião Curió. A denúncia não foi aceita pela primeira
instância – a Justiça Federal de Marabá – mas o MPF vai recorrer. Para o
MPF, os crimes de sequestro praticados durante o regime militar não
estão prescritos ou cobertos pelo manto da anistia por serem crimes
permanentes, de acordo com decisões do próprio STF brasileiro e também
da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O MPF aponta que o STF decidiu, em dois casos de extradição de
militares ligados a ditaduras latino-americanas, que a extradição
deveria acontecer por se tratarem de casos de desaparecimento forçado,
que o direito internacional considera como violações graves de direitos
humanos sobre as quais não se aplica anistia ou nenhuma disposição
análoga, seja prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa julgada
ou qualquer excludente similar.
Além disto, há a sentença que condenou o Brasil pelos crimes do
Araguaia pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A Corte
ordenou que “o Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição
ordinária, a investigação penal dos fatos do presente, a fim de
esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e
aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja”.
Para o MPF, a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos
deve ser obedecida a não ser que o país declare inconstitucional sua
adesão ao sistema interamericano de direitos humanos. Para recusar a
autoridade da Corte Interamericana, o Brasil teria que abdicar do
sistema como um todo. “Decisão esta que esbarraria no óbice da vedação
do retrocesso em matéria de direitos humanos fundamentais, além de
importar claramente em violação do princípio da proibição da tutela
deficiente dos direitos humanos”, defendem os procuradores.
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