Uma das dificuldades de se medir exatamente quais são as
necessidades habitacionais do país é a ausência de dados oficiais,
universais e produzidos periodicamente sobre a condição urbana dos
locais onde as moradias estão inseridas. O IBGE divulgou recentemente
uma novidade do censo de 2010 que são os dados sobre a presença, no entorno dos domicílios, dos chamados “melhoramentos urbanos”.
Pela primeira vez, o órgão buscou informações sobre as
características das ruas onde estão os domicílios urbanos. Basicamente, o
IBGE procurou saber se as ruas têm nome, se há iluminação pública,
arborização, pavimentação, calçadas, guias, rampas de acesso a
cadeirantes, bueiros ou bocas de lobo, e também se existe esgoto a céu
aberto e lixo acumulado nas ruas.
Analisando os resultados e cruzando estas informações com a renda dos
moradores, já era de se esperar que, quanto maior a renda, maior a
presença dessas melhorias no entorno. Enquanto na faixa de renda per
capita de até ¼ do salário mínimo, menos da metade das ruas têm calçadas
e apenas 20% possuem bueiros e bocas de lobo, na faixa de renda
superior a 2 salários mínimos per capita esses mesmos itens estão
presentes em 85% das ruas onde estes domicílios estão localizados.
As desigualdades regionais também aparecem claramente nos novos dados
divulgados pelo IBGE. O Sudeste e o Centro-Oeste são as regiões com
melhores condições no entorno dos domicílios e a região Norte é a que
apresenta as condições mais precárias. Na Amazônia, por exemplo, 32% dos
domicílios apresentam esgoto a céu aberto, enquanto que no Centro Oeste
este índice é de 2,9% e, no Sudeste, de 4,2%.
Outra importante novidade é que o IBGE, também pela primeira vez,
estabeleceu critérios de adequação dos domicílios baseados nas condições
de saneamento ambiental — se os domicílios estão ou não ligados à rede
de água, se possuem ou não soluções de esgoto e coleta de lixo.
Desde 1991, venho participando de pesquisas, com distintas
instituições e financiadores, que procuram justamente dimensionar a
condição dos domicílios para além das condições físicas da própria casa.
Nestas pesquisas, procuramos saber quantos domicílios do país estão
ligados simultaneamente à rede de água e de coleta de esgoto, e possuem
coleta de lixo, eletricidade, têm banheiro dentro da casa e não mais do
que duas pessoas por cômodo. A pergunta fundamental que nos colocamos,
usando a base de dados do censo, é: que percentual de domicílios, por
município, apresenta todas estas condições simultaneamente?
Nossas pesquisas demonstraram que, em 1991, apenas 23% do total de
domicílios no Brasil apresentavam todas as condições de adequação que
estabelecemos. Consistentemente, este índice vem aumentando 10 pontos
percentuais por década: em 2000, foi de 33% e agora, em 2010, chegou a
43%. Isso significa que menos da metade dos domicílios do país têm uma
condição adequada de infraestrutura. E não estamos falando de
arborização, pavimentação, calçadas, bueiros, nem, muito menos, de
proximidade de áreas verdes, escolas e equipamentos de saúde e
culturais.
Além disso, assim como nos dados do IBGE sobre o entorno dos
domicílios, estas pesquisas mostram também que a desigualdade regional
com relação às condições dos domicílios ainda é muito grande. Nos mapas
abaixo, vemos que, em 2000, as cidades que estavam na melhor situação —
entre 60% e 87% de seus domicílios (representados pela cor mais escura)
com infraestrutura adequada — estão fortemente concentradas na região
Sudeste, com avanço em direção ao Centro Oeste. O mesmo se verifica no
mapa de 2010: a faixa mais escura (agora correspondendo a 60% a 90% dos
domicílios com infraestrutura adequada), que corresponde a cidades onde
os domicílios estão em melhores condições, continua concentrada no
Sudeste. Os mapas também mostram claramente o sério problema de
inadequação dos domicílios localizados em municípios das regiões Norte e
do interior do Nordeste.
De forma geral, percebemos que, por um lado, há uma região chegando
perto da universalidade, com base nos critérios de adequação adotados
pela pesquisa, mas outras estão ainda muito longe de alcançar bons
índices. Outra questão importante é que, a análise do mapa nesta escala
pode enganar, pois mesmo na região Sudeste há precariedade, muito
relacionada à renda. Além disso, olhar todos esses dados não esgota a
discussão sobre as condições dos domicílios, que não podem se resumir
apenas às condições de infraestrutura, devendo incluir também questões
como o acesso a transporte e equipamentos públicos, que a base de dados
do censo hoje não nos permite aferir. Ainda faltam elementos, portanto,
para que possamos afirmar com certeza quantas e onde estão as moradias
adequadas em nosso país.
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