Alexis Tsipras, da coalizão grega Syriza, e Jean-Luc Mélenchon, da Frente de Esquerda francesa |
De: Outras Plalavras
Num
cenário conturbado, Grécia e França empurram continente à esquerda,
pressionando Alemanha. Se esta ceder, toda conjuntura global mudará
Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Daniela Frabasile
As
eleições nos sistemas parlamentares ocidentais sempre têm a ver com o
centro. A situação mais comum é aquela em que existem dois partidos
dominantes – um mais à direita e outro mais à esquerda do centro.
Existem diferenças entre as políticas que esses partidos colocam em
prática quando estão no poder, mas também enormes semelhanças. A eleição
nunca expressa uma divisão política profunda. Seu papel é, em vez
disso, o de de redefinir e relocalizar o centro – o ponto de alavanca,
na gangorra entre os partidos.
Uma
situação muito mais rara é o repúdio ao centro e, portanto, aos dois
partidos – anteriormente principais – que se posicionam próximos ao
ponto central. Esse resultado joga as políticas nacionais em um grande
turbilhão, o que por vezes tem impactos consideráveis fora do país.
As
últimas eleições na França e na Grécia ilustram bem essas duas
situações. Na França, os socialistas derrotaram o partido conservador
UMP, e deslocaram o centro. Num cenário caótico do sistema-mundo, e
particularmente na União Europeia, o deslocamento o centro na França
terá grande impacto. Mas não espere que as políticas reais de François
Hollande sejam radicalmente diferentes daquelas de Nicolas Sarkozy.
Na
Grécia, aconteceu o contrário. O centro foi dramaticamente repudiado.
Os dois maiores partidos – o conservador Nova Democracia e o socialista
Pasok – perderam mais de metade dos votos que normalmente obtinham.
Somados, caíram de aproximadamente 2/3 para 1/3 do eleitorado. O Pasok
despencou para o terceiro lugar, ultrapassado por uma coalizão de
partidos mais à esquerda, a Syriza, considerada a grande vencedora da
eleição. O tema central das eleições foi o programa de austeridade
imposto à Grécia pelas forças estrangeiras, e mais fortemente pela
Alemanha. Todos os partidos, exceto os dois tradicionalmente maiores,
anunciavam repúdio às medidas de austeridade. O líder da Syriza, Alexis
Tsirpas, afirmou que os resultados da eleição anulam o comprometimento
do governo anterior com o programa de austeridade.
O
que acontecerá nos próximos meses? Na Grécia, como os três partidos com
mais votos – Nova Democracia, Syriza e Pasok – não conseguiram formar
um governo, haverá novas eleições [em 17/6]. A Syriza pode até ser o
primeiro colocado, no próximo pleito. Como o governo grego não receberá
mais apoio internacional, não conseguirá pagar os empréstimos. O
ministro de relações exteriores da Alemanha já ameaçou uma expulsão da
zona do euro. Porém, não existe forma legal de fazer isso. E como a
população grega parece pensar que sair da zona do euro não resolveria
nada e provavelmente pioraria a situação, haverá um impasse. Os gregos
irão sofrer muito. Mas muitos bancos europeus também. Assim como a
população alemã, mesmo que esta ainda não esteja consciente disso.
Enquanto
isso, haverá novas eleições na França, agora para o Legislativo [em 10 e
17/6]. Analistas preveem uma ampla vitória socialista, porém com
significativo contingente de votos para o equivalente francês da Syriza,
a Frente de Esquerda. A clara posição de Hollande é que o crescimento
europeu deve ter prioridade em relação à austeridade – um desafio direto
à posição alemã. Por isso, o centro será ainda mais deslocado para a
esquerda.
Os
alemães estão agora sob enorme pressão. Existe um descontentamento
interno, que leva a perdas eleitorais do partido da chanceler Angela
Merkel, o CDU, e sua coalizão neoliberal parceira, a FDP. Os outros
partidos social-democratas na Europa foram encorajados pela vitória de
Hollande a se moverem de algum modo para a esquerda. Os dois partidos
conservadores na coalizão do governo da Itália sofreram perdas graves
nas eleições municipais de maio. Também existe pressão dos Estados
Unidos sobre a Alemanha, para se mover na direção que Hollande apoia – o
que é estranho, porém importante.
Os
alemães podem resistir a tudo isso – até 31 de maio, a data do
plebiscito irlandês. O governo irlandês é o único membro da zona do euro
que depende de um plebiscito para aprovar o novo tratado de austeridade
em que Merkel tanto insistiu, com apoio de Sarkozy. As pesquisas
sugerem uma disputa acirrada. O governo irlandês está confiante de que
poderia ganhar votos em favor do “sim”, mas a vitória de Hollande pode
influenciar os eleitores para que o “não” prevaleça, o que anularia o
tratado de austeridade. Isso iria enfraquecer a posição alemã ainda mais
que o repúdio grego ao centro.
O
que acontecerá, então? A chave é o cenário alemão. Angela Merkel, como
qualquer líder político, tenta ver para que lado os ventos sopram. Por
isso, sua linguagem já começa a evoluir. Pode ser até que, secretamente,
ela comemore as pressões externas para fazer o que, do ponto de vista
da Alemanha, é a coisa sensata: fortalecer o poder de compra (para
produtos alemães, entre outras coisas) no resto da União Europeia.
Se a Alemanha se mover nessa direção, o euro e a União Europeia irão sobreviver, e continuar a ser um grande ator (ainda que chamuscado…) na cena geopolítica. No plano mundial, o deslocamento do centro na Europa como um todo não irá congelar o status quo,
mas acelerar os realinhamentos geopolíticos que são inevitáveis. Além
disso, o deslocamento do centro na Alemanha pode ajudar a Europa a
resistir melhor ao tsunami – de colapso de fundos soberanos e do dólar
como moeda de reserva – que se aproxima.
O
mundo inteiro está nadando em águas muito agitadas. A Alemanha pode
logo se juntar à lista de estados que começam a entender como navegar em
meio ao caos. Governos inflexíveis são seus próprios piores inimigos
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