Uma análise das equipes que a grande imprensa despachou para cobrir o Mundial de Futebol na França revela uma perigosa tendência: jornalismo de saturação. Afoga-se o leitor/telespectador num oceano de matérias, nem sempre as mais competentes, que o consumidor final mal absorve. Finge-se qualidade através da quantidade. Truque que não satisfaz o expert e irrita o leigo.
O resto do jornal fica desguarnecido e capenga, frustrando o leitor que se interessa por outros assuntos. Afinal, a vida continua em todos os seus aspectos e exigências. Um jornal não deve descaracterizar-se, mesmo quando se trata de um evento da importância de uma Copa do Mundo.
A Folha, lente de aumento dos defeitos da imprensa brasileira, foi a mais exagerada no teor da numerosa equipe que despachou para a França: os especialistas em desporto não conseguiram fazer a maioria (v. abaixo).
Ao deslocar dois colunistas políticos para a cobertura esportiva o jornal justifica os parlamentares relapsos que alegam que o país vai parar durante a Copa.
Mais uma vez a imprensa reforça os defeitos da sociedade ao invés de corrigi-los.
A novela Romário
Durante 10 dias os jornais mantiveram nas primeiras páginas o corta-não-corta do craque na Seleção. Pela televisão o Brasil inteirou constatou de que forma os jornalistas trabalharam no caso e vão trabalhar nesta Copa: através das grades do castelo onde hospeda-se a seleção (parecia filme de presidiários).
Fica evidente que as equipes jornalísticas estão super-dimensionadas graças aos gordos patrocínios (v. abaixo). Poucos são os jornalistas que conseguirão obter informações exclusivas. Jogador que quiser falar escolherá as grandes vedetes dos grandes veículos. O resto da tropa de jornalistas vai ficar de molho.
Cobertura mesmo nas coletivas e durante os jogos. Neste caso, um comentarista experimentado vale mais do que 10 escritores diletantes reunidos. E dirigentes como Zagallo falarão através das suas colunas (v. abaixo).
A coluna de Zagallo é uma aberração
Este OBSERVATÓRIO já se manifestou anteriormente: o técnico da seleção não tem o direito de vender uma coluna de comentários exclusivos para nenhum veículo (no caso, o JB).
Ele é pago, em última análise, pelo erário. Suas opiniões devem ser oferecidas eqüitativamente à mídia e à sociedade brasileira, a quem jogadores e dirigentes da CBF devem prestar contas.
O mesmo se aplica aos jogadores, Romário inclusive. Depois da Copa todos têm o direito de vender memórias, crônicas ou versos. Enquanto durar a convocação sua produção é exclusiva do povo brasileiro.
Anúncio é diferente de patrocínio
Merece exame mais detido uma tradição nas coberturas esportivas brasileiras, especialmente quando ocorrem no exterior: os patrocínios inseridos no meio das matérias. É diferente de colocar um anúncio no formato de rodapé nas páginas da cobertura.
Jornais regionais abusam deste patrocínio e mesmo na grande imprensa nota-se a perda de antigos escrúpulos. Há colunistas cujos textos são totalmente emoldurados por mensagens publicitárias.
O Globo andou colocando o logotipo da Fiat (uma das patrocinadoras da sua cobertura) no meio das matérias. A Folha (com os mesmos patrocinadores) manteve-os nos lugares apropriados para a publicidade.
Anúncio é legítimo. Patrocínio de coberturas é suspeito.
A prova tira-se através da generalização: um anunciante pode escolher que sua mensagem seja publicada na página de economia, internacional, cultura ou mesmo política. Mas seria inadmissível o patrocínio da cobertura da reunião da Organização Mundial de Comércio, do leilão da Embratel, da votação da reforma tributária ou do festival de Cannes.
O que vale para o resto do jornal tem que valer também para as páginas de esporte.
Lembrete aos pauteiros
Quando acabar a Copa, qualquer que seja o resultado, é preciso investigar as causas da tentativa de cassação pela FIFA do jornalista Juca Kfouri.
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