Quebradeira de fundos de pensão é um fenômeno mundial. Atesta a ineficiência da gestão dos recursos para a aposentadoria pelas regras do mercado financeiro. E reforça o conceito de eficiência do sistema de Previdência Social brasileiro
Por Osvaldo Bertolino,
Publicado em Outras Palavras
Poucos trabalhadores podem pensar em uma poupança para a aposentadoria. Uma pesquisa do governo de 2006 mostrou um retrato alarmante — apenas 1% dos trabalhadores consegue manter uma renda satisfatória com a aposentadoria. A maioria sobrevivia com ajuda de parentes e amigos ou precisava continuar trabalhando de alguma forma. Segundo uma pesquisa realizada pela consultoria Target, de São Paulo, 4,4% da população ganham hoje na ativa acima de trinta salários mínimos. No entanto, cerca de 90% dos aposentados pelo INSS recebem até dois salários mínimos mensais. Os outros 10% recebem de três a dez. É fácil imaginar o que aconteceu com o nível de vida dos aposentados que pertenciam à faixa de maior poder aquisitivo quando estavam na ativa.
Projeções indicam que apenas 0,9% da população brasileira terá renda suficiente ao atingir os 65 anos de idade para poder usufruir uma vida agradável, sem preocupações financeiras e sem ter a obrigação de trabalhar. Os restantes 99,1% irão depender de familiares ou do recebimento de alguma pensão, em geral insuficiente para sobreviver com dignidade. Com a “reforma” neoliberal, essa dura realidade tende a piorar. As experiências de outras nações que promoveram essas mudanças não são nada animadoras.
Fiascos privados
Na Espanha, quem se aposenta antes dos 65 anos vê sua pensão sofrer descontos pesados. Já a Suécia preferiu mudar a fórmula de cálculo da aposentadoria — em vez de pagar uma média sobre os salários dos últimos anos de contribuição, como acontece no Brasil, os benefícios são estabelecidos por uma média de todo o tempo de contribuição. Mas foi o vizinho Chile que adotou a “reforma” mais radical. O então presidente, general Augusto Pinochet, privatizou todo o sistema em 1981 e os trabalhadores passaram a depositar 10% do salário bruto em fundos de pensão privados. O pior exemplo mesmo é dos Estados Unidos.
Lá, onde o sistema já funciona há tempo suficiente para conferir seus efeitos, os sinais são de corrosão. Hoje, oito em cada dez fundos de pensão do país apresentam déficits em suas contas. Mais da metade opera em estado grave. Eles já têm mais obrigações financeiras do que seu patrimônio líquido. O rombo total representa algo como 80% do PIB brasileiro. A soma de todos os prejuízos reunidos dá um buraco de mais de US$ 450 bilhões no sistema de previdência privada. Como resultado prático dessa quebradeira, a diferença entre aquilo que os norte-americanos esperavam receber na aposentadoria e sua remuneração real é de 25% — para menos, é claro.
Déficit gigantesco
O primeiro fundo de pensão que se tem notícia foi criado nos Estados Unidos em 1759 e funcionava para garantir o sustento das viúvas e dos filhos de pastores presbiterianos que faleciam. Mais de um século depois, em 1875, a American Express Company estabeleceu um embrião do que viria a ser o plano corporativo formal. Por aquele modelo, só tinham direito a receber aposentadoria homens acima de 60 anos, com mais de 20 anos de casa e que fossem considerados incapazes de continuar trabalhando. Mas foi só depois da Segunda Guerra Mundial que a prática se tornou uma referência entre as companhias. Nesse princípio efetivo, o papel de destaque coube à General Motors. Em 1950, ela lançou as bases de seu fundo. Para aquele momento, foi uma revolução.
O plano já era administrado por profissionais e o patrimônio líquido podia ser investido em ações de outras empresas. Hoje, a General Motors possui o maior fundo dos Estados Unidos, somando US$ 87 bilhões. O tamanho dos recursos é diretamente proporcional ao tamanho do problema — um déficit gigantesco (o que leva a crer que o tempo trabalha contra esse tipo de aposentadoria). A empresa, além de ter sido socorrida pelo Estado, teve de lançar títulos no mercado e vender uma subsidiária para diminuir o rombo.
Pé-de-meia na velhice
As notícias informam que a lista de falências influenciadas pelo desequilíbrio dos fundos de pensão é imensa. US Airways, Polaroid, TWA e Bethlehem Steel, para citar alguns exemplos, tiveram de encerrar suas atividades depois de enfrentar problemas com o gerenciamento de seus planos. Em algumas montadoras de automóveis, as primeiras a implementar esse modelo, o custo dos fundos já representa uma despesa adicional de US$ 1.300 por cada veículo fabricado.
É tão evidente que esse modelo está sucumbindo que a quantidade de fundos à disposição dos funcionários caiu bruscamente nos últimos anos. Mas por que o plano de previdência das empresas, antes aclamado como garantia de pé-de-meia na velhice, vem dando tão errado? E ainda por cima nos Estados Unidos? A primeira razão é conjuntural. A maioria desses fundos sofreu com trapalhadas na administração dos recursos (e não se trata aqui de considerar casos de corrupção ou desvio de dinheiro). A maioria desses gestores fez apostas que se revelaram um fiasco ao longo do tempo.
Envelhecimento acelerado
No ano 2000, um pedaço considerável dos recursos dos fundos (estimados em US$ 6,5 trilhões) ajudava a turbinar ações de empresas de internet. Com o estouro da bolha naquele ano, alguns desses fundos chegaram a perder 30% de patrimônio. Foram os casos de Ford, Boeing, DuPont e Lockheed Martin, companhias que estão hoje no ranking das dez situações mais problemáticas do país. A situação se complicou ainda mais quando o banco central norte-americano, o Fed, resolveu adotar numa política de queda dos juros. Os fundos tinham quantidades colossais de papéis atrelados a essas taxas.
A outra razão, essa de origem estrutural, é a mesma que vem corroendo o sistema de aposentadoria em vários países: o envelhecimento acelerado da população. No caso norte-americano, a longevidade dos aposentados está impondo um peso adicional ao sistema. Na década de 1950, a expectativa de vida de um trabalhador assalariado era de 67 anos de idade. Hoje, ela está em 76. Os cálculos anteriores previam que um aposentado viveria em média mais sete anos depois de começar a receber o benefício. Hoje, esse período está em 16 anos.
Velhos ao penhasco
Ou seja: os benefícios necessários para custear esse trabalhador mais que dobraram. Como a expectativa de vida continua a crescer e os índices de natalidade continuam a cair, as administrações dos fundos de previdência têm o desafio de lidar com uma discrepância cada vez maior entre o número de trabalhadores na ativa e os que estarão recebendo o benefício. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), havia em 1950 uma dúzia de pessoas na ativa para cada aposentado. Hoje, segundo os últimos dados disponíveis, essa proporção é de 9 para 1.
Por volta do ano 2050, um curto espaço de tempo em termos atuariais, essa proporção será de 4,5 trabalhadores para 1 aposentado. Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, intitulado “Vícios e virtudes da economia globalizada”, Luiz Gonzaga Belluzzo diz que diante da proximidade da insolvência dos sistemas privados de aposentadoria é lícito suspeitar que “a única reforma possível da seguridade social no mundo vai contemplar métodos muito antigos de aposentadoria: atirar os velhos ao penhasco”
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