De: RSUrgente
A influência da RBS na vida política do Rio Grande do Sul não é novidade para ninguém. Em 2014, quando dois de seus principais comentaristas políticos na última década disputam o governo do Estado e o Senado, essa influência adquire um caráter inédito. O principal aqui nem são os nomes em questão – Ana Amélia Lemos e Lasier Martins -, mas sim as ideias e propostas com as quais eles disputam o voto da população. Ideias e propostas que, não por acaso, coincidem com posições defendidas historicamente pelo grupo midiático. Quando, por exemplo, a senadora do PP defende a redução do tamanho do Estado, com a extinção de secretarias, demissão de servidores em cargos de confiança e corte de gastos, está repetindo propostas defendidas em incontáveis editoriais dos veículos da RBS, e em governos passados de ex-funcionários da RBS, como foi o de Antonio Britto.
É possível constatar isso, por exemplo, no editorial do jornal Zero Hora de 22 de setembro de 1996, intitulado “Socorro ao Estado”, que comemora o acordo da dívida firmado pelo então governador Antônio Britto que, segundo ZH, teria “liquidado a dívida do Estado e limpado a ficha dos gaúchos”. O editorial destaca que:
“O governador Antônio Britto vem extinguindo, na medida do possível, cargos em comissão e cargos vagos com o objetivo de enxugar uma folha que tem consumido em torno de 80% da receita líquida…”
E elogia
“…os esforços do governo gaúcho para reduzir as rotinas dos gastos da administração em particular aqueles com pessoal”
Não é um acaso, portanto, que cerca de 20 anos depois, Ana Amélia Lemos retome essas ideias procurando apresentá-las com uma roupagem nova associando-as a palavras como “esperança”. Não é casual, tampouco, que a senadora se esforce diariamente para esconder suas relações umbilicais com a ideologia do Estado mínimo que habita os editoriais dos veículos da RBS e que governou o Rio Grande do Sul com os governos de Antônio Britto e de Yeda Crusius. Ana Amélia garante que não tem nada a ver com Britto e Yeda embora suas ideias coincidam em pontos essenciais no que diz respeito à administração do Estado.
Quase vinte anos depois, outro editorial de ZH aponta
“… as deficiências de gestão da administração pública, que colocam o Rio Grande do Sul entre os Estados retardatários na adoção de reformas que resultem em austeridade, com a adequação do tamanho do governo às demandas da economia, o enxugamento de estruturas obsoletas e, por consequência, maiores ganhos de produtividade”. (O Estado alquebrado, 22/08/2014)
O que é mais ardiloso na relação de Ana Amélia com a RBS é que a associação entre a senadora e a empresa não é necessariamente algo ruim para ela do ponto de vista eleitoral. Pelo contrário, para alguns setores da sociedade, é até algo positivo emprestando uma aura de respeitabilidade pela convivência diária com a comentarista política nos canhões midiáticos que são a rádio Gaúcha, a RBS TV e o jornal Zero Hora. Ela se elegeu, aliás, fundamentalmente, graças à essa visibilidade midiática diária massiva, numa evidente distorsão que ainda atinge o sistema político brasileiro.
Há uma distorsão mais grave, porém, que é o ocultamento sistemático das relações entre as ideias defendidas editorialmente pela RBS e as propostas de seus ex-funcionários transformados em candidatos. Yeda Crusius apresentou-se disfarçada de “novo jeito de governar”. Ana Amélia, agora, apresenta-se como porta-voz da “esperança”. Quando indagada a respeito de uma de suas principais propostas de campanha – extinção de secretarias e demissão de servidores em cargo de confiança – ela evita dar detalhes. Evita por que não pode, pois, no momento em que o fizer, estará fragilizando seu disfarce.
Essas relações são perversas em vários níveis. A RBS afirma que não tem candidatos, embora haja uma proximidade carnal entre as ideias que defende em seus editoriais e as defendidas por seus ex-funcionários candidatos. Estes aproveitam-se da massiva visibilidade midiática construída durante muitos anos e apresentam-se ao eleitor como “novidades”, sempre embaladas em um disfarce diferente. Mas, em algum momento, aparecem as propostas de cortes, demissões e enxugamento do Estado, e aí fica evidente que estão falando a mesma língua. Essas distorsões e perversidades talvez ajudem a explicar parte das dificuldades políticas e econômicas enfrentadas pelo Rio Grande do Sul nas últimas décadas.
A RBS e seus candidatos, é claro, não tem nada a ver com elas, pois vivem em uma esfera a-histórica, apresentando-se permanentemente como o novo sem passado, sem memória e sem responsabilidade por suas escolhas. Quem lê o editorial de 22 de setembro de 1996 perceberá essas relações e o esforço diário de seus autores para escondê-las. A sua verdadeira esperança é que elas permaneçam ocultas e consigam regularmente reaparecer no debate público como uma novidade retumbante.
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