Samir Oliveira
A audiência pública que deveria debater a licitação do transporte público em Porto Alegre, prevista para ser realizada às 19h desta segunda-feira (10) no Ginásio Tesourinha, durou menos de meia hora. Após o começo do evento, um grupo presente nas arquibancadas começou a arrancar a tela que isolava a quadra do ginásio. Em seguida, este grupo jogou bombas no local, onde estavam as autoridades que conduziam a reunião – dentre elas, o vice-prefeito Sebastião Melo (PMDB) e o diretor-presidente da EPTC Vanderlei Cappellari. Após cerca de meia hora de tentativa de prosseguir com a audiência, a prefeitura acabou cancelando o encontro, declarando, entretanto, ter considerado que a audiência “cumpriu sua função jurídica”, e afirmando que uma nova reunião não será convocada.
Essa foi a segunda tentativa de se realizar uma audiência pública para debater a licitação dos ônibus na Capital. A primeira, no dia 27 de fevereiro, iria ocorrer na Câmara Municipal. Entretanto, a prefeitura acabou cancelando, argumentando que o plenário não poderia comportar todo mundo que desejava participar da reunião. Na ocasião, centenas de pessoas ficaram do lado de fora da Câmara, que teve seus portões fechados desde as 17h – sendo que o encontro só ocorreria às 19h.
Nesta nova tentativa de audiência, a prefeitura elaborou um rigoroso esquema de segurança. Desde as 17h, as pessoas já poderiam ter acesso ao ginásio. Para entrar no Tesourinha, a população precisava realizar um credenciamento, apresentando um documento de identificação com foto. Em seguida, eram encaminhadas para a revista corporal, que incluía, também, a revista de bolsas e mochilas. O processo era feito pela Guarda Municipal. Por conta disso, o ingresso no ginásio era bastante demorado. Quando a audiência teve início, às 19h, ainda havia muita gente do lado de fora esperando para poder entrar.
Assim que a prefeitura anunciou o início da reunião e as autoridades compuseram a mesa, integrantes do Bloco de Luta pelo Transporte Público que estavam na plateia começaram a gritar: “Somos o povo! E o passe livre os ricos vão pagar”, “Prefeito da elite! O povo te demite!” e “Eu pago! Não deveria! Transporte público não é mercadoria!”. Composto por vários grupos de esquerda – dentre partidos políticos como PSOL e PSTU, movimentos como o Movimento Revolucionário Socialista (MRS), organizações anarquistas como a Federação Anarquista Gaúcha (FAG) e coletivos autônomos -, o Bloco entende que a licitação do transporte público para concessão do serviço à iniciativa privada é “uma MANOBRA do prefeito, dos vereadores e dos empresários para manter os privilégios da máfia que tem explorado o transporte na cidade”, conforme o texto que o grupo postou no evento criado no Facebook para convocar os manifestantes até a audiência pública. No comunicado, o Bloco anunciava: “VAMOS BARRAR ESSA AUDIÊNCIA QUE PRIVILEGIA OS LUCROS DOS EMPRESÁRIOS E CONSTRUIR UM PROCESSO DEMOCRÁTICO E POPULAR, RUMO A UM TRANSPORTE 100% PÚBLICO”. O texto ainda critica a audiência pública “pela falta de debate público com a população, pela falta de transparência e por sua distância das demandas populares. A manobra da gestão Fortunati é garantir os interesses e os lucros dos empresários”, expressa.
Enquanto um funcionário da prefeitura fazia a leitura das regras que balizariam a realização da audiência, um grupo da plateia começou a puxar a tela verde que isolava a quadra do ginásio. Após arrancar parte da tela, esse grupo pulou o gradil que separa os dois locais e chegou a ingressar na quadra, onde estavam as autoridades. Neste momento, a Guarda Municipal formou um cordão de isolamento e impediu que os manifestantes permanecessem na quadra, fazendo com que dispersassem por diversos pontos do ginásio.
No início da confusão, o grupo que era contrário a essas ações ainda estava presente no ginásio e começou a vaiar os manifestantes. Um manifestante que havia pulado o gradil e acessado a quadra tentava dispersar pelas arquibancadas – após a chegada da Guarda Municipal -, mas acabou levando uma surra de vários homens que integravam o grupo que vaiava suas atitudes. Após ser derrubado e apanhar, o rapaz foi conduzido até a saída do ginásio.
Após o tumulto inicial ter sido controlado, os manifestantes que retornaram às arquibancadas começaram a jogar bombinhas na quadra. Pelo menos quatro destes objetos foram jogados, além de terem sido arremessados garrafas de água e papéis picotados dos cartazes que haviam sido colocados no local.
A prefeitura continuou sustentando a audiência e começou a chamar as pessoas que haviam se inscrito para falar. Pelo menos três pessoas tomaram o microfone, integrantes de associações de bairro da cidade. Uma senhora da Lomba do Pinheiro estava indignada com a ação do grupo que jogava bombas na quadra: “Não é assim que se faz política, gurizada!”, berrou ao microfone.
Com uma nova tentativa de pular o gradil e acessar a quadra, a Guarda Municipal reforçou a presença no local e a prefeitura acabou anunciando o cancelamento da audiência. “Esta audiência está cancelada. Infelizmente, uma minoria que não quis o debate acabou impedindo essa audiência. Ela cumpriu seu papel jurídico”, disse um funcionário da prefeitura ao microfone. Em seguida, o vice-prefeito Sebastião Melo disse, em entrevista, que a prefeitura não irá convocar uma nova reunião. O vice-prefeito entende que não existe tempo hábil, já que, por decisão judicial, a licitação deve ser publicada até o final de março. Conforme nota publicada em seu site, a prefeitura considera que, apesar de não ter ocorrido, essa tentativa de audiência pública cumpriu o que estabelece a Lei de Licitações. Pela norma, o poder público deve realizar pelo menos uma audiência pública para colher contribuições da população antes de fazer uma licitação de um serviço público à iniciativa privada.
Guarda Municipal utiliza armas de choque no confronto com manifestantes
Após o cancelamento da audiência, o clima ficou ainda mais tenso. O confronto entre o grupo que tentava pular o gradil e a Guarda Municipal – cujos agentes não estavam identificados – se intensificou. Enquanto isso, as autoridades presentes na quadra, como o vice-prefeito e diversos secretários municipais, corriam para deixar o local.
Do lado de fora do Ginásio, a Guarda Municipal fechou as portas assim que estourou a primeira bomba na quadra. Impedida de entrar, a população se revoltou e derrubou os gradis que balizavam o acesso ao Tesourinha. Tanto do lado de dentro como do lado de fora, a Guarda Municipal utilizou, diversas vezes, as armas de choque conhecidas como “tasers”. Na rua, a Brigada Militar – que teve seu efetivo reforçado pela cavalaria – também foi acionada.
A dispersão do ginásio foi bastante tumultuada. Os manifestantes saíram pela Avenida Aureliano de Figueiredo Pinto e foram pela Rua João Alfredo até o Largo Zumbi, onde dispersaram o ato. Entretanto, muitas pessoas ainda estavam dentro do Tesourinha. Também havia gente do lado de fora querendo entrar e entender o que havia ocorrido lá dentro. Pessoas sem uniforme, apenas identificadas com um crachá branco onde estava escrito “organização”, impediam o acesso de quem estava do lado de fora. Em um momento, um dos principais assessores do prefeito José Fortunati (PDT) tentou ingressar no local, mas foi impedido por um sujeito com esse crachá. Ao perceber a situação, outra pessoa argumentou que se tratava de “um secretário do município”. Mesmo assim, o assessor só conseguiu ingressar após a Guarda Municipal liberar sua entrada.
Confira mais fotos do ato desta segunda-feira
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