Neste artigo, Marcos Rolim faz reflexões perturbadoras sobre o julgamento do "mensalão". Perturbadoras por serem pertinentes. Quem puder contestá-las com substância, fique livre para comentar |
Depois que o PT foi colocado no banco dos réus, aumentou muito o número de pessoas éticas no Brasil.
Ironias
à parte, é uma pena que um partido criado nas lutas populares e em
torno de uma promessa transformadora tenha se tornado refém de
estratégia delinquente definida por tão poucos. É patético que, após
este processo, seus dirigentes sigam oferecendo declarações
diversionistas e encomendando panos quentes, enquanto máfias proliferam
em seus quintais. Quando o PT fez a opção de não cortar na própria pele,
sabia que o preço seria pago em doses de cinismo. Os que assim se
comportaram são coautores de fraude contra os sonhos de uma geração. Por
este crime, pelo menos, não podem ser punidos, nem perdoados.
Por outro lado, impressiona a disposição pela execução sumária. Seria até compreensível que os partidos de oposição respondessem assim, tendo em conta a intolerância do PT na época em que se imaginava o sal da terra. O problema é que há um discurso que unifica o ideário mais conservador e parte dos comentaristas em favor do emburrecimento. Trata-se, aliás, de simbiose cultural e ideológica e não de “estratégia golpista”. Este acasalamento antijornalismo aparece em pressupostos como: a) políticos são, por princípio, culpados e, se forem do PT, são mais culpados; b) o Estado é inoperante por definição e quando auxilia os pobres é populista; c) presunção de inocência, ampla defesa, privacidade e preservação da imagem são formalidades que atrapalham; e) o problema da segurança pública no Brasil é a impunidade e esta se resolve com leis mais duras e não com provas mais consistentes e, d) a regulação da comunicação social é um atentado à liberdade de expressão; se o tema for proposto pelo PT, é prenúncio da ditadura do proletariado. A cobertura do julgamento do mensalão evidenciou simplificações do tipo. Primeiro, houve grande pressão da mídia por um julgamento “efetivo”, de natureza “técnica” e não “política” (outra das polarizações infantis que sobrevivem graças à irreflexão). No Brasil, a efetividade de um julgamento é tomada como o equivalente à condenação. Não se cogita que julgamento efetivo seja aquele que produz justiça. Entre nós, o acusador é a encarnação do bem, enquanto a defesa é desprezada como empecilho. Só por isso, Joaquim Barbosa é nosso Eliot Ness e Levandowski, o reflexo do Tinhoso. O mensalão foi apresentado como “o maior escândalo de corrupção da história”, o que, a despeito da sua gravidade, obviamente nunca foi. Depois, não se considerou preocupante que algumas condenações tenham dispensado a chamada “prova robusta”; nem que certas penas tenham sido claramente desproporcionais. O resultado foi saudado como prenúncio de um “novo tempo” em editoriais que lembram as orientações do Dr. Pangloss, célebre personagem de Voltaire. Muito antes disto, entretanto, ele se revela paradoxal. Por um lado, é importante que a Justiça puna poderosos - ao invés de apenas responder aos crimes da marginalização social. Por outro, é ameaçador que o faça com base no argumento “só pode ser” e em um clima político que lembra mais os ânimos de um grenal do que a disposição de busca pela verdade. |