Suspeita de comprar estanho que é extraído por crianças e arrasa um paraíso ambiental, Apple reage tratando usuários como otários
Vinicius Gomes, CartaCapital
Toda vez que um novo iPhone está para ser lançado, produz-se um
frisson mundial. No caso do novo Iphone 5S, não foi diferente. Pessoas
acamparam por semanas em frente à loja da Apple em Nova York, esperando
que suas portas se abrissem. Quando isso finalmente ocorreu, foram
saudadas pelos funcionários como se tivessem acabado de conquistar uma
medalha de ouro nas Olimpíadas. Mas por trás de toda a fanfarra de
marketing, existe uma realidade que quase nunca é acompanhada pela mídia
com tanta empolgação como as filas em frente das lojas.
O jornalista britânico George Monbiot começou a revelá-la esta
semana, em seu blog. A Apple, demonstrou ele, participa de um dos crimes
ambientais que melhor expõem a desigualdade das relações Norte-Sul e a
irracionalidade contemporânea. Ela provavelmente compra estanho
produzido, na Indonésia, em relações sociais e de desprezo pela natureza
que lembram as do século 19. Pior: convidada por ativistas a corrigir
esta prática, a empresa esquiva-se – destoando inclusive de suas
concorrentes. E, ao fazê-lo, usa argumentos que sugerem: trata o público
s seus consumidores como se fossem incapazes de outra atitude mental
além do ímpeto de consumo.
Monbiot refere-se ao uso, pelos fabricantes de celulares, do estanho
extraído da ilha de Bangka, na Indonésia. O metal é indispensável para a
soldagem interna dos smartphones. Cerca de 30% da produção global
concentra-se na Indonésia – mais precisamente, em Bangka. O problema são
as condições de extração.
O jornalista as descreve: “Uma orgia de mineração sem regras está
reduzindo um sistema complexo de florestas tropicais e campos a uma
paisagem pós-holocausto de areia e subsolo ácido. Dragas de estanho, nas
águas costeiras, também estão varrendo os corais, os manguezais, os
mariscos gigantes, a pesca e as praias usadas como ninhos pelas
tartarugas”.
A cobiça pelo estanho barato não poupa nem a natureza, nem o ser
humano. Monbiot prossegue: “Crianças são empregadas, em condições
chocantes. Em média, um mineiro morre, em acidente de trabalho, a cada
semana. A água limpa está desaparacendo. A malária espalha-se e os
mosquitos proliferam nas minas abandonadas. Pequenos agricultores são
removidos de suas terras”
Estas condições desesperadoras desencadearam reação de ativistas. A
organização internacional Amigos da Terra articulou o movimento. Não se
trata de algo conduzido por rebeldes sem causa. A campanha reconhece que
eliminar a mineração seria uma proposta inviável, por desempregar
milhares de pessoas. Propõe, ao contrário, um pacto. Todo o estanho
produzido em Bangka é adquirido pelas corporações que fabricam
celulares. Se elas concordarem em respeitar condições sociais e
ambientais decentes, a exploração de gente e da natureza não poderá
prosseguir.
Sete fabricantes transnacionais abriram diálogo com a campanha:
Samsung, Philips, Nokia, Sony, Blackberry, Motorola e LG. A única das
grandes fabricantes a se recusar foi a Apple – também conhecida por encomendar a fabricação de seus aparelhos às indústrias de ultra-exploração do trabalho humano da Foxconn.
O mais bizarro, conta Monbiot, são os estratagemas primitivos usados
pela Apple para evitar um compromisso de respeito aos direitos e à
natureza. O jornalista procurou por duas vezes, nos últimos dias, o
diretor de Relações Públicas da empresa. Propôs, em nome da
transparência, um diálogo gravado. Sugestão negada. Na conversa
reservada, relata, não obteve informação alguma, exceto uma sugestão: dirija-se a nosso site.
Mas é lá, diverte-se Monbiot, que a Apple mais zomba da inteligência
dos consumidores. A corporação informa, placidamente, que “a Ilha de
Bangka, na Indonésia, é uma das principais regiões produtoras de estanho
no mundo. Preocupações recentes sobre a mineração ilegal de estanho na
região levaram a Apple a uma visitas de inspeção, para saber mais”. Mas a
Apple não reconhece que compra o metal produzido em Bangka –
provavelmente para não se comprometer com a campanha contra a exploração
devastadora. O jornalista, então, pergunta: “Por que dar-se ao trabalho
de uma visita de inspeção, se você não usa o estanho da ilha? E se você
usa, por que não admiti-lo?”
Tudo isso sugeriria renunciar a um celular? Claro que não, diz
Monbiot. Trata-se de exigir das empresas respeito a normas sociais e
ambientais. Pressionadas, sete corporações transnacionais ao menos
admitiram debater o tema. A Apple destoou. Quem tem respeito pelos
direitos sociais e pela natureza deveria evitar os aparelhos da empresa,
recomenda o jornalista.
Quem quer ir além pode, por exemplo, optar pelo Fairphone,
celular produzido por empreendedores expressamente interessados em
proteger direitos e ambiente. Estará disponível a partir de dezembro.
Porém, mais de 15 mil unidades já foram vendidas, nos últimos meses a
consumidores conscientes.
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