Um artifício
criativo orquestrado por editores de revistas científicas brasileiras expõe
mais uma faceta obscura da academia
O website da revista Nature
veiculou em agosto uma reportagem sobre a descoberta de um “esquema” criado por
revistas científicas brasileiras para inflar artificialmente seus fatores de
impacto, uma medida universal de relevância. As consequências para as próprias
revistas e para os pesquisadores que nelas publicaram artigos foram dramáticas.
A Thomson Reuters, organização que calcula e divulga o fator de impacto de
revistas científicas, suspendeu os periódicos de seus rankings. A Capes, nossa
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, anulou a contagem
da produção de 2010 a 2012 das revistas para efeito da avaliação trienal de
programas de pós-graduação, com prejuízo para dezenas de pesquisadores. Os
fatos ocorridos expõem o estado das coisas no mundo da ciência.
No imaginário
popular, a ciência é mistério e descoberta. Os cientistas são admirados pela
dedicação ao bem comum, como se fossem um tipo especial de ser humano:
inteligentes e altruístas, sempre prontos a colocar a ciência e a verdade acima
dos interesses pessoais. Uma visão romântica? É quase certo. Na prática, a
ciência está se tornando uma máquina cara e ineficiente, comumente monitorada
por uma burocracia autista. E os cientistas se transformam em operários de uma
linha de montagem autocentrada, frequentemente insensível às necessidades da
sociedade.
A regra da
profissão é simples: se você trabalha na AmBev, a cada ano tem de empurrar
alguns litros de álcool a mais goela abaixo dos consumidores de sua zona de
atuação, e se você é um cientista, a cada ano tem de empurrar mais artigos
científicos goela abaixo dos editores e avaliadores das revistas acadêmicas do
seu campo de estudos. Conforme publica artigos, o operário da ciência acumula
pontos, que conferem prestígio, aceleram a carreira e facilitam o acesso a recursos.
O espaço nas boas revistas
científicas, contudo, é muito disputado e a maioria dos artigos é rejeitada.
Que fazer? A própria comunidade acadêmica encontrou uma resposta: multiplicar o
número de revistas. Tal medida é positiva, por abrir espaço para a disseminação
do conhecimento. Entretanto, o processo para uma revista científica se tornar
importante é árduo. É preciso atrair bons autores e trabalhos relevantes. A
evolução é medida pelo fator de impacto, com a indicação de quantos artigos, em
longa lista de periódicos científicos, citaram artigos de uma determinada
revista.
O pequeno
escândalo surgiu porque editores de quatro revistas científicas brasileiras da
área médica utilizaram um esquema para gerar aumento rápido em seus respectivos
fatores de impacto. Em 2011, publicaram artigos citando textos umas das outras.
A peraltice não passou despercebida aos analistas da Thomson Reuters, ciosos da
reputação de seu ranking. O fenômeno não é exclusivamente local. Diversas
revistas científicas internacionais induzem autores interessados a citar
artigos publicados por elas mesmas. Todos os anos, dezenas de periódicos são
suspensos pela Thomson Reuters por usar artifícios para inflar seus fatores de
impacto.
O triste evento
é mais uma peça podre a emergir do pântano no qual a ciência está se
transformando. Nas últimas décadas, o Brasil multiplicou seu número de
cientistas. Há entre eles grandes cérebros, estrelas ascendentes e uma legião
de abnegados. Muitos não honram, porém, o título. São pequenos burocratas,
acomodados à lerdeza dos campi universitários. Vivem de verbas públicas.
Realizam pesquisas de utilidade duvidosa para delas extrair a máxima vantagem.
O culto ao
fator de impacto, uma métrica útil, porém descabidamente valorizada, gera
distorções. Algumas instituições de ensino adotam como prática contratar
pesquisadores para “envernizar” seus indicadores e conseguir melhores
avaliações. No debate após a divulgação do esquema, o alvo oscilou entre os editores
responsáveis pelas revistas e o “sistema”, considerado injusto e vicioso.
Terá sido o esquema uma
solução criativa para enfrentar um sistema anacrônico? O tempo talvez traga a
resposta. O pântano pode ser extenso e profundo. Novas surpresas poderão emergir
a qualquer momento.
Um artifício
criativo orquestrado por editores de revistas científicas brasileiras expõe
mais uma faceta obscura da academia
O website da revista Nature
veiculou em agosto uma reportagem sobre a descoberta de um “esquema” criado por
revistas científicas brasileiras para inflar artificialmente seus fatores de
impacto, uma medida universal de relevância. As consequências para as próprias
revistas e para os pesquisadores que nelas publicaram artigos foram dramáticas.
A Thomson Reuters, organização que calcula e divulga o fator de impacto de
revistas científicas, suspendeu os periódicos de seus rankings. A Capes, nossa
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, anulou a contagem
da produção de 2010 a 2012 das revistas para efeito da avaliação trienal de
programas de pós-graduação, com prejuízo para dezenas de pesquisadores. Os
fatos ocorridos expõem o estado das coisas no mundo da ciência.
No imaginário
popular, a ciência é mistério e descoberta. Os cientistas são admirados pela
dedicação ao bem comum, como se fossem um tipo especial de ser humano:
inteligentes e altruístas, sempre prontos a colocar a ciência e a verdade acima
dos interesses pessoais. Uma visão romântica? É quase certo. Na prática, a
ciência está se tornando uma máquina cara e ineficiente, comumente monitorada
por uma burocracia autista. E os cientistas se transformam em operários de uma
linha de montagem autocentrada, frequentemente insensível às necessidades da
sociedade.
A regra da
profissão é simples: se você trabalha na AmBev, a cada ano tem de empurrar
alguns litros de álcool a mais goela abaixo dos consumidores de sua zona de
atuação, e se você é um cientista, a cada ano tem de empurrar mais artigos
científicos goela abaixo dos editores e avaliadores das revistas acadêmicas do
seu campo de estudos. Conforme publica artigos, o operário da ciência acumula
pontos, que conferem prestígio, aceleram a carreira e facilitam o acesso a recursos.
O espaço nas boas revistas
científicas, contudo, é muito disputado e a maioria dos artigos é rejeitada.
Que fazer? A própria comunidade acadêmica encontrou uma resposta: multiplicar o
número de revistas. Tal medida é positiva, por abrir espaço para a disseminação
do conhecimento. Entretanto, o processo para uma revista científica se tornar
importante é árduo. É preciso atrair bons autores e trabalhos relevantes. A
evolução é medida pelo fator de impacto, com a indicação de quantos artigos, em
longa lista de periódicos científicos, citaram artigos de uma determinada
revista.
O pequeno
escândalo surgiu porque editores de quatro revistas científicas brasileiras da
área médica utilizaram um esquema para gerar aumento rápido em seus respectivos
fatores de impacto. Em 2011, publicaram artigos citando textos umas das outras.
A peraltice não passou despercebida aos analistas da Thomson Reuters, ciosos da
reputação de seu ranking. O fenômeno não é exclusivamente local. Diversas
revistas científicas internacionais induzem autores interessados a citar
artigos publicados por elas mesmas. Todos os anos, dezenas de periódicos são
suspensos pela Thomson Reuters por usar artifícios para inflar seus fatores de
impacto.
O triste evento
é mais uma peça podre a emergir do pântano no qual a ciência está se
transformando. Nas últimas décadas, o Brasil multiplicou seu número de
cientistas. Há entre eles grandes cérebros, estrelas ascendentes e uma legião
de abnegados. Muitos não honram, porém, o título. São pequenos burocratas,
acomodados à lerdeza dos campi universitários. Vivem de verbas públicas.
Realizam pesquisas de utilidade duvidosa para delas extrair a máxima vantagem.
O culto ao
fator de impacto, uma métrica útil, porém descabidamente valorizada, gera
distorções. Algumas instituições de ensino adotam como prática contratar
pesquisadores para “envernizar” seus indicadores e conseguir melhores
avaliações. No debate após a divulgação do esquema, o alvo oscilou entre os editores
responsáveis pelas revistas e o “sistema”, considerado injusto e vicioso.
Terá sido o esquema uma
solução criativa para enfrentar um sistema anacrônico? O tempo talvez traga a
resposta. O pântano pode ser extenso e profundo. Novas surpresas poderão emergir
a qualquer momento.
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