sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O Papa Francisco e os homossexuais - Wilson Gomes


Por Wilson Gomes
Traduzo abaixo os trechos que considerei mais pertinentes da entrevista do papa Bergoglio a La Civilità Cattolica, de que se está falando. E faço dois comentários em seguida. 

“Em Buenos Aires eu recebia cartas de homossexuais, que são “feridos sociais” porque me dizem que sentem o quanto a Igreja lhes tenha condenado sempre. Mas a Igreja não quer fazer isso. Durante o voo de retorno do Rio de Janeiro disse que, se um homossexual é uma pessoa de boa vontade e está à procura de Deus, eu não sou ninguém para julgá-lo. Ao dizer isso, eu expressei o que já diz o Catecismo. A religião tem o direito de manifestar a própria opinião para com ela servir a todos, mas Deus, na criação, nos fez livres: a ingerência espiritual na vida pessoal não é mais possível”.
“Uma vez uma pessoa me perguntou, na forma de uma provocação, se eu aprovava a homossexualidade. Eu então lhe respondi com outra pergunta: «Diga-me: Deus, quando olha um homossexual, aprova-lhe a existência com afeto ou a rejeita por meio de uma condenação?». É preciso sempre considerar a pessoa. Aqui entramos no mistério do homem. Na vida, Deus acompanha as pessoas, e nós devemos acompanhá-las a partir da condição delas. É preciso acompanhá-las como misericórdia”.
“O confessionário não é uma sala de tortura, mas o lugar da misericórdia no qual o Senhor nos estimula a fazer o melhor que pudermos. Penso também na situação de uma mulher que deixou para trás um matrimônio fracassado no qual tenha até mesmo abortado. Depois esta mulher se casou de novo e agora está tranquila com cinco filhos. O aborto lhe pesa enormemente e é sinceramente arrependida. Gostaria de continuar na vida cristã. O que faz o confessor? Não podemos insistir apenas sobre questões ligadas ao aborto, casamento homossexual e uso de métodos anticoncepcionais. Isso não é possível. Nunca falei muito disso e fui criticado. Mas quando se fala disso, é preciso falar em um contexto. O ponto de vista da Igreja, ademais, já é conhecido e eu sou um filho da Igreja, mas não é preciso ficar falando o tempo todo disso”
Parece pouco, meus caros, mas não é.
O papa resolveu enfrentar a questão do ponto de vista pastoral (i. é, para ficar na metáfora rural do cristianismo, do modo como os pastores devem cuidar do seu rebanho) e não do ponto de vista da doutrina. Preocupa-lhe que doutrinas duras sobre os pontos nevrálgicos das divergências morais (gays, aborto, métodos contraceptivos) em que a Igreja representa uma posição minoritária se materializem em atitudes impiedosas, humilhantes ou de rejeição por parte do clero em face das pessoas que adotaram comportamentos não obedientes à prescrição moral eclesial nestas questões. Tematiza particularmente o sofrimento dos homossexuais, que se sentem ofendidos e rejeitados pela Igreja, dos divorciados recasados e das mulheres que já abortaram. As palavras-chave do papa aqui são “misericórdia” (versus “impiedade”), “acolhimento” (versus “rejeição”), compreensão (versus “julgamento”). Além disso, refuta a obsessão clerical, na pregação e na confissão, por estes temas nevrálgicos que provocam tanto sofrimento em muitas pessoas.
Não quer dizer que queira mudar doutrinas, quer dizer que deseja que mudem as atitudes do clero e dos religiosos a respeito dos homossexuais, dos divorciados recasados e das pessoas que já abortaram. Não vê porque se deva ficar preso nesses temas, como se isso fosse o centro da espiritualidade e da crença católica; Não concorda com uma atitude constante de dedo em riste e julgamentos punitivos, mas na confiança que Deus, que fez todo mundo livre, não rejeita, mas acolhe todos os seus filhos; Recusa, além disso, a atitude clássica, defensiva, das religiões sobre estes temas, segundo a qual se não tratarmos com severa impiedade os "pecadores" eles voltarão ao pecado (ou se respeitarmos os homossexuais, todos começarão a achar normal a homossexualidade). Não, a posição pastoral de Francisco não parece estar preocupada em salvar a doutrina (que continua em seu lugar) pela correção e punição do comportamento; o papa parece mais preocupado com o sofrimento daqueles que são o objeto do juízo severo e pouco acolhedor dos religiosos e clérigos - o que é uma posição muito incomum no campo religioso hoje.
Eu achei digno. Muito digno

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