Cena do filme “Koyaanisqatsi”, de Godfrey Reggio |
Tecnologias permitirão obter cada vez mais dados sobre vida nos
espaços urbanos. Para quê: multiplicar autonomia dos cidadãos ou
controlá-los?
Uma nova revolução urbana pode ter começado. Segundo reportagem especial da revista inglesa The Economist,
a quantidade de dados que uma cidade produz, combinada com as
tecnologias móveis e em rede que permitem compartilhá-los, será tão
transformadora quanto foi a eletricidade. Inúmeras inovações já
começaram a antecipar este futuro. Podem ser para bem ou para mal.
A ONU calcula que, até 2050, a população mundial urbana será de cerca
de 6,3 bilhões de pessoas. Uma parcela sempre crescente dos habitantes
urbanos está disposta a compartilhar informações publicamente, como é
possível perceber com a popularidade de aplicativos como o Foursquare
(que indica o local onde o usuário está e mostra se seus amigos estão
por perto). Além disso, prefeituras também concentram dados sobre o que
acontece em suas ruas: informações de trânsito, dados sobre fluxos,
áreas com mais problemas de segurança etc. Como usar esses dados de
maneira que eles façam a experiência de viver em uma cidade ser algo
menos caótico, mais sustentável e humano?
Muitas cidades começam programas para tornar-se “smart cities”, como
mostra a reportagem. Em Barcelona, por exemplo, há um projeto para
inserir, nos postes de luz, telas que indicam lugares para estacionar,
filas para museus, cestas de lixo que estão muito cheias e até
movimentos “suspeitos” de pessoas. No website de San Francisco (EUA),
dezenas de aplicativos informam desde a programação cultural da semana a
locais com registros de abuso sexual. Já no Rio de Janeiro, as
informações captadas são geridas apenas pela prefeitura: dezenas de
operadores vigiam as cerca de 400 câmeras de segurança espalhadas pela
cidade, além de denúncias policiais e até previsão do tempo.
Como é possível perceber pelo exemplo carioca, isso traz também um
grande problema: a cidade vira um grande panóptico eletrônico, que
controla todas as ações de seus cidadãos. E se o governo pudesse, por
exemplo, prever protestos que estão para acontecer, e impedi-los? E se
isso virasse um mecanismo para excluir ainda mais as classes
economicamente empobrecidas? Como imaginar um governo de uma cidade
digitalmente integrada que não pareça uma sala de controle de um filme
de ficção científica? Outro problema é o fato de que se a cidade é
organizada por redes de dados — algo como um “sistema nervoso digital –,
é muito possível que crackers consigam invadi-lo e paralisá-lo.
Saskia Sassen, socióloga da universidade Columbia, é incisiva:
segundo ela, para a cidade ser realmente de domínio público, as
prefeituras devem tornar públicos todos os seus sistemas de dados. O
próprio governo poderia ser uma plataforma, provendo serviços básicos e
informações e permitindo que as pessoas pudessem ter mais controle sobre
si mesmas.
O sistema dos governos ainda não é transparente, mas os moradores de grandes cidades já podem utilizar a tecnologia e o crowdsourcing (fontes coletivas de informações) a seu favor. Muitos aplicativos para celulares já funcionam desta maneira. O Foursquare,
provavelmente o mais conhecido, serve para seus usuários dizerem em
quais lugares comerciais (principalmente restaurantes) já foram, e qual
sua opinião sobre eles.
Outro exemplo mais interessante é o Colab, criado por brasileiros e eleito pela New Cities Foundation
como o melhor do mundo no prêmio App My City. Ele funciona como uma
rede social, onde é possível fiscalizar, propôr e avaliar os serviços de
uma cidade. Pela rede, o usuário Humberto propõe uma ciclovia em um
local na asa norte de Brasília. Já Ticiana confere pontuação de duas
estrelas para a Universidade Federal da Bahia. A maioria dos usuários,
por enquanto, limita-se a registrar problemas como buracos ou sujeira
nas ruas.
Para The Economist, não existe apenas uma maneira de tornar
as cidades “inteligentes”, assim como houve diversos modos de levar a
elas a eletricidade. O necessário é lutar para que não percamos o
controle sobre nossos dados e nossas vidas, e exigir que essa mudança
seja em favor das pessoas, e não de empresas ou da vigilância dos
governos.
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