Polícia Federal e Anatel vão investigar se empresas brasileiras permitiram que a NSA tivesse acesso às redes locais
Em Paraty, o chanceler Antônio Patriota disse que governo recebeu a notícia com grave preocupação
Fernanda Krakovics, Francisco Leali e Leonardo Cazes: O Globo
BRASÍLIA e PARATY - O governo brasileiro cobrou, neste domingo, explicações dos Estados Unidos sobre a espionagem de cidadãos e empresas brasileiras pela Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA na última década, segundo documentos coletados pelo ex-técnico Edward Snowden, aos quais O GLOBO teve acesso. O Ministério das Relações Exteriores pediu esclarecimentos ao embaixador dos EUA Thomas Shannon e já acionou a embaixada em Washington para fazer o mesmo diretamente ao governo americano. O Itamaraty também vai entrar com uma moção na Organização das Nações Unidas (ONU) pedindo aperfeiçoamento da segurança cibernética para evitar esse tipo de abuso por parte de um país. Polícia Federal e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vão investigar se empresas sediadas no Brasil permitiram que a NSA tivesse acesso às redes de comunicações locais.
O governo brasileiro também trabalha com a hipótese de os EUA terem monitorado telefonemas, troca de mensagens e dados na internet por meio de interceptação de satélites de cabos submarinos.
- O mais provável é que o monitoramento seja feito pelos cabos submarinos e satélites. Nas transmissões internacionais e ligações, a maioria dos cabos passa pelos Estados Unidos - disse o ministro das Comunicações. - Temos muita preocupação com essas notícias, especialmente com o possível relacionamento com empresas brasileiras. Se isso realmente ocorreu, configura crime contra a legislação brasileira e a Constituição. Nossa Constituição assegura o direito à intimidade e privacidade. Se tiver empresa brasileira mancomunada com empresas estrangeiras para quebrar sigilo telefônico e de dados, é um absurdo - disse o ministro Paulo Bernardo (Comunicações).
Mas, apesar de abrir investigação sobre as empresas, o governo não acredita que a espionagem tenha ocorrido dessa forma. O Itamaraty também quer aperfeiçoar a legislação do setor, aprovando o marco civil da internet, em tramitação no Congresso. O Ministério da Justiça trabalha em um anteprojeto de lei para proteção de dados individuais.
No início da tarde deste domingo, o ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, convocou a imprensa em Paraty, onde acontece a Feira Literária Internacional, e disse, em declaração oficial, que o governo recebeu a notícia com grave preocupação.
“O governo brasileiro recebeu com grave preocupação a notícia de que as comunicações eletrônicas e ligações telefônicas de cidadãos brasileiros estariam sendo objeto de espionagem por órgãos de inteligência americanos. Solicitamos esclarecimentos ao governo americano por intermédio da embaixada do Brasil em Washington e através do embaixador americano no Brasil”, dizia a nota.
A reação foi articulada pela presidente Dilma Rousseff, na manhã deste domingo, em reunião no Palácio da Alvorada com os ministros Paulo Bernardo (Comunicações), Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Ideli Salvatti (Relações Institucionais), José Eduardo Cardozo (Justiça), Aloizio Mercadante (Educação) e Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência).
OAB defende que a denúncia deva ser levada à ONU
Em outra frente, o líder do PSOL, deputado Ivan Valente (SP), pretende apresentar um requerimento, no máximo até terça-feira, convidando o embaixador americano para dar explicações na Comissão de Relações Exteriores da Câmara. No Senado, o líder do partido, senador Randolfe Rodrigues, também fará a solicitação.
- A soberania nacional exige cobrança drástica da conduta inaceitável e invasora do governo norte-americano - afirma Ivan Valente. - As ruas devem execrar e repudiar a atitude de “polícia de mundo” dos Estados Unidos.
Contatado pela agência internacional de notícias Associated Press, o porta-voz da embaixada americana em Brasília, Dean Chaves, limitou-se a dizer que o caso seria comentado apenas pelo governo em Washington. Repercutindo a revelação de O GLOBO, a agência também entrou em contato com o Ministério das Relações Exteriores brasileiro, que por meio de seu porta-voz, Tovar Nunes, disse que se a espionagem for comprovada “seria algo sumamente grave”, ao qual o governo brasileiro “responderia de acordo com a gravidade”.
Já o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado, defendeu que a denúncia de espionagem deve ser levada à ONU. Ele comparou a espionagem feita pelos Estados Unidos com os “pesadelos” do Big Brother no livro “1984”, de George Orwell, onde todos os cidadãos eram vigiados o tempo todo.
- A denúncia é séria e deve ser discutida no âmbito das Nações Unidas para apurar responsabilidades. Revive o pior dos pesadelos do “Big Brother“ de George Orwell, com ingredientes mais fortes, se considerarmos o desenvolvimento tecnológico de espionagem das nações mais poderosas. Estamos todos, literalmente, vulneráveis, expostos, sem saber a quem recorrer e com uma sensação de impunidade insuportável - disse o presidente da OAB.
Brasil é um dos alvos prioritários do sistema americano
Como mostrou O GLOBO na edição deste domingo, o Brasil, com extensas redes públicas e privadas digitalizadas, operadas por grandes companhias de telecomunicações e de internet, aparece destacado em mapas da agência americana como alvo prioritário da espionagem no tráfego de telefonia e dados (origem e destino), ao lado de nações como China, Rússia, Irã e Paquistão. É incerto o número de pessoas e empresas espionadas no Brasil, mas há evidências de que o volume de dados capturados pelo sistema de filtragem é constante e em grande escala.
Para facilitar sua ação global, a NSA mantém parcerias com as maiores empresas de internet americanas. No último 6 de junho, o jornal britânico “The Guardian” informou que o software Prism permite à NSA acesso aos e-mails, conversas online e chamadas de voz de clientes de empresas como Facebook, Google, Microsoft e YouTube.
Outro programa é o Fairview, que viabilizou a coleta de dados em redes de comunicação no mundo todo. É usado pela NSA, segundo a descrição em documento a que O GLOBO teve acesso, numa parceria com uma grande empresa de telefonia dos EUA. Ela, por sua vez, mantém relações de negócios com outros serviços de telecomunicações, no Brasil e no mundo. Como resultado das suas relações com empresas não americanas, essa operadora dos EUA tem acesso às redes de comunicações locais, incluindo as brasileiras.
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