Faleceu no sábado, 29, Ciro Flamarion Cardoso, 70 anos, um dos mais categorizados historiadores brasileiros. Ele nasceu em Goiânia, em 1942, e fez sua carreira acadêmica no Rio de Janeiro (graduação em história), na França (doutorado em História, na Université de Paris X, Nanterre) e nos Estados Unidos (pós-doutorado, na New York University). Ele era professor da Universidade Federal Fluminense.
Ciro era um historiador competente, pesquisador nato no campo da história antiga e medieval, especializado em egiptologia. Mas também era aquele historiador do tipo pensador, ou seja, contribuía com seus livros, como “Os Métodos da História” (em parceria com Hector Perez Brignole), para o estudante e o historiador pensarem sobre o seu trabalho. Noutras palavras, ele ensinava a pesquisar, mas também a pensar. Ele é autor de “Trabalho Compulsório na Antiguidade” e “Sete Olhares sobre a Antiguidade”.
Na década de 1980, polemizou com outros historiadores – como Jacob Gorender, um historiador não-acadêmico – sobre o “modo de produção escravista colonial”. Não fugia aos debates.
No Facebook, Carlos Fico, especializado na história da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), lamenta a morte do “grande historiador”. “Erudito, grande consistência teórica, pesquisador de temas variados e notável professor. Devo a ele ensinamentos que me são úteis diariamente, sem exagero”, frisa Carlos Fico.
Depoimento
Na década de 1980, quando fiz história na então Universidade Católica de Goiás (UCG, hoje PUC), que chamávamos de Católica, Ciro Flamarion Cardoso era uma espécie de nosso “ídolo”, se posso dizer assim (ele não gostaria disso, pois era meio do tipo iconoclastra). Líamos (Sérgio Murilo, Margareth Arbues, Antônio Luiz de Souza) seus livros com fervor, mas não como bíblia. Ele nos ensinava a pensar a história, não apenas a fazer o registro mecânico dos fatos. Olhando do ponto de vista de hoje, pode-se perceber um didatismo excessivo em “Os Métodos da História”, mas o víamos, na época (e por certo ainda há o que aprender lendo-o), como um guia seguro. O livro, de capa marrom, salvo engano editado pela Graal, não saía de nossas mãos e, claro, dos nossos cérebros.
Outro detalhe que nos chamava a atenção era o rigor do historiador Ciro Cardoso. Seus livros eram muito bem escritos – talvez porque tivesse alma de artista (era um artista, músico, e escritor, contista, informa o crítico literário Carlos Augusto Silva) – e, sobretudo, muito bem pesquisados. Sua preocupação metodológica era crucial. Naquele período de distensão, com a abertura em marcha, dizia-se, às vezes, que havia um lado “bom” da história, o “nosso”, contra o lado “ruim”, o da ditadura. Assim, havia uma certa lassidão intelectual. Quem estivesse do “nosso lado”, mesmo se não estudasse e não fosse rigoroso, era “bom”. A leitura das obras de Ciro Flamarion Cardoso nos ensinava que era preciso ir além da questão do lado “bom” e do lado “mau”. Era preciso estudar e interpretar os documentos e os fatos rigorosamente. É o dever do historiador e de qualquer pesquisador.
De: Guardian, com informações Jornal Opção.
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