quarta-feira, 15 de maio de 2013

O fileteado portenho

em artes e ideias por em 15 de mai de 2013 às 00:05
Com forte referência no Art Nouveau e nas Iluminuras Medievais, o fileteado nasceu em Buenos Aires como elemento decorativo de carroças. Parte integrante da cultura portenha, ele está presente não apenas em ruas e praças, como também em tatuagens e campanhas publicitárias.


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Fileteado de Alfredo Genovese
 
O fileteado nasceu em Buenos Aires no início do século 20 pelas mãos dos imigrantes italianos Cecilio Pascarella, Vicente Brunetti e Salvador Venturo. O trio que residia na capital portenha começou a colorir as laterais das carroças que utilizavam para entregar produtos. Os veículos, que até então eram apenas cinzas, despertaram rapidamente o interesse nos clientes dos três italianos, que receberam diversas encomendas de pintura da chanfradura de suas respectivas carroças.
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Um dos primeiros registros do início da arte do fileteado
 
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Detalhe de fileteado - Fonte: Fileteado Porteño, de Alfredo Genovese (Ediciones Porteñas)
 
A inovação seguinte foi a inclusão de cartazes nos que figuravam o nome do proprietário, o seu endereço e a especialidade que transportava. Esta tarefa era, em princípio, realizada por letristas franceses que em Buenos Aires se dedicavam a pintar letreiros para os comércios. Brunetti e Pascarella foram encarregados por seu chefe, dono da oficina na qual trabalhavam, de que realizassem eles próprios a inclusão das letras e dos pequenos "filetes" que ornamentavam os cartazes.
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Entrada do hotel portenho Faena ornamentada em arte fileteada
 
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Fileteado de Mandynga Radowitzky
 
Fileteado_porteño.jpgFileteado de Gervasi
A base da técnica iniciava pelo esboço da composição, que harmonizava ornamentos e tipografia. O suporte era o papel transparente, que logo em seguida furado com agulha. Após contornar todos os traços, os artistas aplicavam o desenho sobre a superfície que receberia a pintura através da fricção de carbono em pó dentro de uma meia de mulher. O único obstáculo da técnica encontrado pelos letristas era a impossibilidade de utilizar o mesmo desenho dos dois lados, uma vez que as letras possuem um único sentido.
Assim, com uma notável referência ao Art Nouveau e às Iluminuras Medievais, o fileteado portenho tornou-se característico por seu repertório visual composto de flores, folhas, pássaros, bolas, dragões, fitas com o azul e o branco da bandeira argentina, além da mistura de linhas retas e curvas de diferentes espessuras que mesclam cenas bucólicas e personagens populares, como a Virgem de Luján, padroeira da Argentina, e o famoso cantor de tango Carlos Gardel. Parente sofisticado dos filetes coloridos que decoram as carrocerias dos caminhões brasileiros, o fileteado portenho incoporou ditados populares em sua rica e colorida ornamentação.
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Carlos Gardel, fileteado em esmalte sintético de Alfredo Genovese
 
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Alfredo Genovese - Fonte: Fileteado Porteño, de Alfredo Genovese (Ediciones Porteñas)
 
Na década de 1920, com a aparição da indústria automotiva na Argentina, o fechamento das oficinas de carroças instaladas fora das cidades foi inevitável (fato pelo qual as carroças e sulkies - as charretes para cavalos - das fazendas e áreas rurais em geral foram levados às cidades para reparação de danos ocasionais). Como consequência, muitos destes veículos tornaram-se ornamentados com a técnica do fileteado nas mãos de Pablo Crotti, expert no fileteado de carruagens. Cinquenta anos mais tarde, por distrair os motoristas, o filete seria proibido por lei. Mas, com incrível versatilidade, ele encontrou rapidamente novos meios de sobrevivência: saiu dos veículos para cavaletes dos ateliês de arte, roupas e tatuagens.
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A arte do fileteado na publicidade, por Alfredo Genovese
 
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A arte do fileteado na publicidade, por Alfredo Genovese
 
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Fileteado de Valeria Roa, 2009
 
Pelas mãos de artistas da nova geração, como Martiniano Arce e Alfredo Genovese, o fileteado portenho volta a tomar as ruas da cidade. Genovese, que aplica a técnica do fileteado na publicidade e no desenho, já desenvolveu campanhas para grandes marcas, como Nike, Evian e Coca-Cola. "Eu me especializei em publicidade e imagem corporativa porque me permite aperfeiçoar a técnica. O filete está mais na moda do que nunca, porque houve um ressurgimento de tudo o que é local, como o tango. Além disso, agora muitas empresas usam o fileteado na publicidade", diz Genovese.
Nascida como elemento decorativo das carrocerias, a arte do fileteado sobrevive e renasce assim como o tango, ratificando sua força cultural. Nas palavras do fileteador Ricardo Gómez: "Se Discépolo disse que o tango é um pensamento triste que se dança; o filete é um pensamento alegre que se pinta."

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