Ao todo, 28 bolivianos foram
libertados produzindo peças para a GEP, empresa formado pelas marcas
Emme, Cori e Luigi Bertolli, e que pertence a grupo que representa grife
internacional
Por Daniel Santini | Categoria(s): Notícias
Fiscalização realizada nesta terça-feira, 19,
resultou na libertação de 28 costureiros bolivianos de condições
análogas às de escravos em uma oficina clandestina na zona leste de São
Paulo. Submetidos a condições degradantes, jornadas exaustivas e
servidão por dívida, eles produziam peças para a empresa GEP, que é
formada pelas marcas Emme, Cori e Luigi Bertolli, e que pertence ao
grupo que representa a grife internacional GAP no Brasil. O resgate foi
resultado de uma investigação de mais de dois meses, na qual trabalharam
juntos Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) e Receita Federal. A Repórter Brasil acompanhou
o flagrante. Foram encontradas peças das marcas Emme e Luigi Bertolli. A
fiscalização aconteceu na mesma semana que a São Paulo Fashion Week,
principal evento de moda da capital paulista.
Os costureiros, todos vindos da Bolívia, trabalhavam e moravam na
oficina clandestina, cumprindo jornadas de, pelo menos, 11 horas
diárias. A oficina repassava a produção para a Silobay, empresa dona da
marca Coivara baseada no Bom Retiro, também em São Paulo, que, por sua
vez, encaminhava as peças para a GEP. A intermediária também foi
fiscalizada, em ação realizada na quinta-feira, 21.
Tanto o MPT quanto o MTE e a Receita Federal consideraram a
“quarteirização” uma fraude para mascarar relações trabalhistas. Para os
auditores fiscais Luís Alexandre Faria e Renato Bignami e a procuradora
do trabalho Andrea Tertuliano de Oliveira, todos presentes na
fiscalização, não há dúvidas da responsabilidade da GEP quanto à
situação degradante em que foram encontrados os trabalhadores da oficina
clandestina.
Procurada, a assessoria de imprensa do grupo GEP não retornou até a
publicação desta reportagem. No fim desta sexta-feira (22), encaminhou
nota pública em que afirma que ”repudia com veemência toda prática de
trabalho irregular”, responsabilizando seus fornecedores pela situação
encontrada. “Faz parte de sua política corporativa o respeito
intransigente à legislação trabalhista e o combate à utilização de mão
de obra submetida a condições de trabalho inadequadas. Por essa razão,
somente contratamos fornecedores que sejam homologados pela Associação
Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), certificação que exclui empresas
que utilizem qualquer forma de mão de obra irregular”, diz a empresa,
em comunicado à imprensa (leia na íntegra a nota divulgada no fim da tarde)*.
A ABVTEX, por sua vez, nega que a empresa fornecedora em questão tenha sido certificada (leia posicionamento na íntegra).
De acordo com a assessoria de imprensa da ABVTEX, a Silobay havia
obtido apenas um “atestado de participação”. A reportagem tentou contato
também com a GAP internacional, por meio da sede da empresa em São
Francisco, na Califórnia, e do departamento responsável por relações
internacionais na Inglaterra, mas também não obteve retorno.
Aliciados no país vizinho, os imigrantes já começaram a trabalhar
endividados, ficando responsáveis por arcar com os custos de transporte e
visto de entrada no país. As dívidas se acumulavam e aumentavam com a
entrega de “vales”, adiantamentos descontados do salário. Mesmo os que
administravam a oficina se endividavam, acumulando empréstimos para
compra de novas máquinas e contratação de mais costureiros.
Entre os problemas detectados pela fiscalização na oficina
clandestina estão desde questões de segurança, incluindo extintores de
incêndio vencidos, fiação exposta e botijões de gás em locais
inapropriados, com risco agravado pela grande concentração de tecidos e
materiais inflamáveis na linha de produção, até problemas relativos às
condições de alojamento e trabalho. Os trabalhadores viviam em quartos
adaptados, alguns com divisórias improvisadas, alguns dividindo espaço
em beliches. Além disso, alimentos foram encontrados armazenados junto
com produtos de limpeza e ração de cachorros.
O grupo trabalhava das 7h às 18h, de segunda-feira à sexta-feira,
com uma hora para refeições. Aos sábados, os próprios empregados
cuidavam da limpeza e manutenção do local. Todos ganhavam por produção,
recebendo cerca de R$ 4 e R$ 5 para costurar e preparar peças das grifes
que abastecem os principais shoppings do país. “Quanto mais peças
costurarmos, mais dinheiro ganhamos, então preferimos não parar”,
afirmou um dos resgatados durante a operação. Mesmo com a presença dos
fiscais, todos continuaram costurando, só parando quando as máquinas
foram lacradas e a produção oficialmente interrompida.
A desembargadora Ivani Contini Bramante, representante do Conselho
Nacional de Justiça, e a juíza Patrícia Therezinha de Toledo, do
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, da Vara Itinerante de
Combate ao Trabalho Escravo, acompanharam a ação.
Indenizações
Um dia após a fiscalização, representantes da GEP concordaram em assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com pagamento de R$ 10 mil para cada uma das vítimas por danos morais individuais, além de mais R$ 450 mil por danos morais coletivos, valor que deve ser repartido e encaminhado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo e a uma organização da sociedade civil que trabalhe com imigrantes. Além da indenização por danos morais, os empregados resgatados receberão também, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, verbas rescisórias em média de R$ 15 mil, valor que pode chegar a R$ 20 mil conforme cada caso. Eles também terão a situação regularizada, com acesso à seguro-desemprego e registro adequado em carteira.
Um dia após a fiscalização, representantes da GEP concordaram em assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com pagamento de R$ 10 mil para cada uma das vítimas por danos morais individuais, além de mais R$ 450 mil por danos morais coletivos, valor que deve ser repartido e encaminhado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo e a uma organização da sociedade civil que trabalhe com imigrantes. Além da indenização por danos morais, os empregados resgatados receberão também, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, verbas rescisórias em média de R$ 15 mil, valor que pode chegar a R$ 20 mil conforme cada caso. Eles também terão a situação regularizada, com acesso à seguro-desemprego e registro adequado em carteira.
As três marcas da GEP são consideradas referência na moda nacional. A
Cori, há mais de quatro décadas no mercado, foi uma das que abriu os
desfiles da São Paulo Fashion Week na segunda-feira, dia 18, e possui
lojas próprias em centros comerciais de luxo de diferentes cidades. A
Luigi Bertolli tem unidades próprias também em todo país. Já a Emme, a
mais recente das três marcas, é considerada um exemplo de
“fast-fashion”, tendência marcada por lançamentos constantes voltados a
mulheres jovens.
A GEP é uma das empresas signatárias da Associação Brasileira do Varejo Têxtil e informa que a empresa fornecedora havia sido certificada pelo Programa de Qualificação de Fornecedores para o Varejo,
selo que, segundo o projeto, deveria ser concedido apenas a empresas
com a produção adequada, após parecer de auditores independentes e
monitoramento detalhado da cadeia. A ABVTEX nega que a fornecedora em
questão tenha sido certificada. Em fevereiro, outra empresa certificada foi flagrada com escravos na linha de produção.
A GEP pertence à empresa Blue Bird, que, por sua vez, controla a Tudo
Bem Tudo Bom Comércio LTDA., empresa anunciada em dezembro como
responsável por administrar a marca GAP no Brasil (leia anúncio oficial em inglês).
Na ocasião, o diretor de Alianças Estratégicas da GAP, Stefan Laban,
afirmou considerar que o país possibilitaria uma oportunidade “incrível”
de expansão dos negócios.
A GAP deve abrir as primeiras lojas da marca em São Paulo e no Rio de
Janeiro no segundo semestre de 2013, com a ajuda da intermediária. Não é
a primeira vez que a grife internacional se vê envolvida em casos de
exploração de trabalho escravo. Em 2007, crianças de dez anos foram
encontradas escravizadas na Índia produzindo peças da linha GAP Kids, a
marca infantil da loja. Na ocasião, de acordo com reportagem do jornal inglês The Guardian, a empresa afirmou que a produção foi terceirizada de maneira indevida e alegou desconhecer a situação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por sua opinião