Por Paulo Nogueira - de Londres
A civilização pode triunfar sobre a barbárie, como os noruegueses mostraram admiravelmente num episódio histórico.
Um dos grandes acontecimentos de 2012 foi o julgamento do assassino de massa Anders Behring Breivik, terrorista norueguês.
Recapitulemos, pelo didatismo do caso. Vamos ao twitter, naqueles dias.
1) “Anders Behring Breivik recebe pena de 21 anos de prisão. Isso dá três meses por cada morto.”
2) “Ele matou pessoas inocentes. Pegou uma pena ridiculamente leve. Noruega dá um mau exemplo.”
3) “21 anos para Breivik? São 100 dias por morto.”
Foram amostras representativas das reações das pessoas no twitter ao
veredito da justiça norueguesa no caso do extremista de direita Breivik,
que em dois atentados no mesmo dia matou 77 pessoas no intuito de
salvar a Europa do avanço muçulmano, além de ferir centenas de outras.
O tom geral, em relação à Noruega, foi de recriminação e raiva.
Mas isso se deveu a uma coisa chamada ignorância. Na verdade, a Noruega deve ser aplaudida pela maneira como tem tratado o caso.
Clap, clap, clap. De pé.
O mundo teve uma chance de assistir a um espetáculo admirável de
civilização de um país socialmente desenvolvidíssimo, a exemplo de seus
vizinhos de Escandinávia.
Primeiro, e acima de tudo: 21 anos é a pena máxima na Noruega, onde
não existe condenação à morte. Segundo, a sentença deixa claro que
Breivik – declarado são — continuará preso enquanto for considerado um
risco para o público.
Isso quer dizer que ele jamais será libertado, na prática.
O que uma sociedade avançada faz com um preso? Trata com civilidade. É
algo a que todos deveríamos aspirar para todos, uma vez que sempre
correremos o risco de cairmos numa prisão. A Noruega faz isso.
Quem não se lembra das palavras soturnas de Dirceu, ditas à
jornalista Mônica Bergamo há alguns dias, sobre as prisões brasileiras, e
o quanto sucessivas administrações brasileiras, incluídas as petistas,
nada fazem por elas?
A cela de Breivik não é um quarto de luxo.
Mas é como que um pequeno apartamento decente de três cômodos. Tem uma
sala, com uma mesa na qual ele pode usar um laptop (sem internet, por
motivos óbvios), um quarto e um terceiro cômodo com dois aparelhos de
ginástica.
O presídio divulgou fotos, como a que você vê abaixo. Ele, num
primeiro momento, não terá contato com outros presos, mas a ideia é
gradativamente integrá-lo à comunidade. “Isolamento é tortura”, disse
uma autoridade da prisão. “Ele é um ser humano. Tem direitos humanos.”
Estive em Oslo durante o julgamento, e já falei disso no Diário.
Fiquei surpreendido com a maturidade com que o crime foi tratado. Uma
sociedade aberta responde assim a quem a agride. Inspira pelo exemplo. A
mídia não estava histérica, ao estilo da brasileira e da de tantos
outros países. Portanto, não contribuía para espalhar pânico, raiva e
outros sentimentos negativos.
Breivik pôde falar o que queria. Também testemunhas de seus atos de
terror depuseram. Amigos dele, Breivik, igualmente, bem como familiares
dos mortos e quem mais cuja voz fosse relevante para compreender o caso.
Fui a uma sessão do julgamento na corte principal de Oslo. Mesmo sem
ter entendido uma palavra do norueguês falado lá, jamais esquecerei o
ambiente civilizado, superior, inspirador que presenciei.
Breivik não vai estragar uma sociedade aberta e inspiradora como a da Noruega: este é o principal resultado.
A civilização triunfou sobre a barbárie.
Compare, agora, isso com o tratamento dispensado pelos Estados Unidos
ao recruta Bradley Manning, acusado de ter passado documentos
confidenciais ao Wikileaks.
Manning foi posto em regime de prisão solitária, com requintes de
perversidade como deixá-lo sem roupa nenhuma na hora de dormir. Isso só
mudou quando ativistas americanos denunciaram um tratamento que poderia
ser classificado como tortura.
Há várias maneiras de medir o desenvolvimento social de um país.
Um dos mais eficazes é verificar o estado de suas cadeias e o tratamento dado aos presos.
O Brasil, sabemos, está na idade da pedra. Os Estados Unidos, depois
dos atentados de 11 de Setembro, regrediram à mesma idade da pedra.
A Noruega oferece ao mundo uma lição – pelo exemplo, sem dar sermão
nenhum, sem se declarar a terra dos livres ou coisa que o valha.
Paulo Nogueira, jornalista baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
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