A filosofia moral, vez por outra, se vê confrontada com problemas mal
formulados que gostariam de se passar por paradoxos astutos.
Desmontá-los seria apenas um peculiar passatempo acadêmico, se eles não
aparecessem periodicamente como premissas de raciocínios tortuosos na
grande imprensa.
Tal astúcia constrói o que poderíamos chamar de "paradoxos morais de
laboratório". Trata-se de pequenos paradoxos do tipo "podemos torturar
alguém cuja confissão nos permitirá desativar uma bomba que matará
dezenas de inocentes?", com todas as suas variantes possíveis.
Do ponto de vista da filosofia moral, não há exercício mais pueril do
que procurar responder a tais inventivas. Pois elas pressupõem condições
de laboratório, como "sei que o sujeito torturado sabe algo sobre a
bomba", "sei que não há hipótese alguma de ter pego a pessoa errada",
"sei que ele falará antes de morrer", "sei que a razão de sua ação é
injustificável". Como ninguém mora em um laboratório, mas depende, no
mais das vezes, da sabedoria da polícia ou desta "inteligência militar"
na qual Groucho Marx viu a expressão mais bem-acabada de uma contradição
em termos, tais condições nunca são completamente asseguradas.
Mas paradoxos dessa natureza têm como verdadeira finalidade fracionar a
ação a fim de retirá-la de todo contexto possível. Boa maneira de não
começarmos por perguntar como chegamos a essa situação.
Longe de ser uma enunciação neutra, essa é uma enunciação profundamente
interessada. Ninguém coloca uma questão dessas de maneira inocente, como
ninguém pergunta inocentemente se negros são, realmente, tão
inteligentes quanto brancos ou se o Holocausto, de fato, existiu na
dimensão normalmente descrita. Perguntar as reais motivações do
enunciador é uma boa maneira de começar a desmontar o paradoxo.
Pode ser, porém, que o enunciador queira apenas insistir que, em
situações excepcionais, a tortura aparece como o último recurso dotado
de certa eficácia. De fato, se tortura fosse eficaz, as favelas
brasileiras seriam um paraíso da paz. Melhor lembrar que a única
eficácia realmente comprovada da tortura é sua força de corroer
completamente o que restou das bases normativas do Estado. Pois se
usamos a tortura contra o inimigo n° 1 da democracia, por que não usá-la
contra o n° 2, o n° 3... o n° 54.327?
Ninguém pratica a tortura sem se transformar no verdadeiro inimigo da
democracia. Por isso, seria o caso de perguntar: "Um Estado que recorre
sistematicamente à tortura merece ser salvo? No que ele se transformou?
Ele merece ser justificado diante de situações que, muitas vezes, ele
próprio ajudou a criar?".
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