De: Beto Bertagna
Era
o ano de 1889. No Colégio das Irmãs de São José, hoje Colégio Santana,
no bairro de Santana, em São Paulo, o padre Roberto Landell de Moura
instalou um estranho aparelho de madeira com um microfone. Em outro
ponto, outro aparelho recolhia as ondas transmitidas pelo primeiro e
reproduzia o som. Foi a primeira transmissão de rádio ocorrida em São
Paulo, conforme registrou à época o jornal O Estado de S.Paulo. Outras
demonstrações do tipo foram feitas por Landell de Moura no Rio Grande
do Sul e em outros lugares. Em 1901, ele obteve a patente brasileira do
aparelho transmissor de ondas sonoras, do telefone sem fio e do
telégrafo sem fio, e em 1904, obteve também as patentes nos Estados
Unidos. O italiano Guglielmo Marconi, mais reconhecido como inventor do
rádio, só conseguiu fazer uma transmissão de voz em 1914, quinze anos
depois de Landell de Moura.
Foi necessário que se passassem 123 anos para que Landell de Moura
obtivesse o reconhecimento pela sua invenção, pelo menos no Brasil. Em
caráter terminativo, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara
(CCJ) aprovou o projeto de lei 7504/2010, que inclui o padre gaúcho no
Livro dos Heróis da Pátria.
Na época em que viveu, Landell de Moura foi vítima da incompreensão e
da ignorância de seus contemporâneos brasileiros. Empresários e
governantes do país não deram à época a menor atenção às invenções do
padre. Diante de criações que pareciam contrariar as leis da natureza,
Landell era tratado como “herege”, “farsante”, “bruxo”. Em 1905, por
exemplo, ao voltar dos Estados Unidos, Landell escreveu uma carta ao
então presidente Rodrigues Alves pedindo a cessão de dois navios para
fazer uma demonstração da transmissão de rádio de um para outro. O
pedido foi negado, “coisa de maluco”. Quando Marconi fez pedido
semelhante na Itália, toda a esquadra italiana foi colocada à sua
disposição.
O o projeto foi apresentado em 17/6/2010 pelo então senador Sérgio
Zambiasi (PTB/RS), por sugestão de seu chefe de Gabinete Dirceu Braz
Goulart Neto (hoje exercendo a mesma função junto à senadora Ana Amélia
Lemos), e de Marcello Antunes, assessor de imprensa da Liderança do PT e
do Bloco de Apoio ao Governo no Senado, todos simpatizantes do Movimento Landell de Moura, o patrono dos radioamadores do Brasil.
Ironia do destino, embora seja um dos maiores gênios dos séculos XIX e
XX, por suas invenções e atuação científica, Landell de Moura, gaúcho
de Porto Alegre nascido no dia 21 de janeiro de 1861, é ignorado em seu
próprio País, onde as crianças continuam aprendendo que o inventor do
rádio foi o italiano Guglielmo Marconi.
Com o conhecimento teórico e a inquietude dos que estão à frente de
seu tempo, Roberto Landell de Moura transmitiu a voz humana à distância,
sem fio, pela primeira vez no mundo. Foi também pioneiro ao projetar
aparelhos para a transmissão de imagens (a TV) e textos (o teletipo).
Previu que as ondas curtas poderiam aumentar a distância das
comunicações e também utilizou-se da luz para enviar mensagens,
princípio das fibras ópticas. Tudo está documentado por patentes,
manuscritos, noticiário da imprensa no Brasil e no exterior e
testemunhos.
As pioneiras transmissões de rádio aconteceram no final do século
XIX, ligando o alto de Santana – o Colégio Santana – à emblemática
Avenida Paulista, que hoje abriga diversas antenas de emissoras de rádio
e de TV.
Ao transmitir a voz, Landell se diferenciou de Marconi. O cientista
italiano inventou o telégrafo sem fios, ou seja, a transmissão de sinais
em código Morse (conjunto de pontos e traços) e não o rádio tal como o
conhecemos.
As experiências do padre Landell não sensibilizaram autoridades e nem
patrocinadores. Pior: um grupo de fiéis achou que o padre “falava com o
demônio” e destruiu seus aparelhos.
Mesmo tendo patenteado o rádio no Brasil (1901), Landell não obteve
reconhecimento. Decidiu, então, viajar para os Estados Unidos, onde
conseguiu, em 1904, três cartas patentes. De volta ao Brasil, quis fazer
uma demonstração das suas invenções no Rio de Janeiro, mas, por um erro
de avaliação, o Governo não lhe deu a oportunidade. Depois, ele seria
“forçado” a abandonar as experimentações científicas. Morreu no
ostracismo e o Brasil importou tecnologia para entrar na era das
radiocomunicações!
Landell de Moura está, agora, já em pleno século XXI, prestes a ver
seu nome inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, depositado no Panteão
Tancredo Neves, graças ao Projeto de Lei do senador Sérgio Zambiasi, que
está atualmente em análise na Câmara dos Deputados. Estará, desse modo,
ao lado de outros heróis como Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Santos
Dumont e Oswaldo Cruz.
Também receberá, em fevereiro, o título post-mortem de Cidadão
Paulistano (que Marconi recebeu em vida), por iniciativa do vereador
Eliseu Gabriel.
Há anos, ele é o patrono dos rádio amadores brasileiros e seu nome
está em ruas e praças de várias cidades, em instituições públicas e em
livros publicados no Brasil e no Exterior.
O Brasil tem agora a oportunidade de reconhecer a obra científica de
Landell e incluir os seus feitos no currículo escolar obrigatório do
ensino básico. É por isso que luta o MLM – Movimento Landell de Moura,
integrado por voluntários de diferentes áreas, que construiu um site -
www.mlm.landelldemoura.qsl.br
– para angariar assinaturas em prol desse reconhecimento. Vale
registrar que o MLM não tem fins político-partidário, religiosos,
financeiros ou de promoção pessoal.
Patentes
Landell de Moura, em 9 de março de 1901 obteve para seus inventos,
a patente brasileira número 3.279 Poucos meses depois seguiu para
os Estados Unidos, e em 4 de outubro de 1901 deu entrada no The Patent
Office of Washington, DC pedindo privilégio para as suas invenções,
tendo obtido, em 11 de outubro de 1904 a patente 771.917 , para um
transmissor de ondas; a 22 de novembro de 1904, a patente 775.337 para
um telefone sem fio e a 775.846 para um telégrafo sem fio.
Os seus trabalhos foram noticiados em 12 de outubro de 1902, no jornal americano “The New York Herald“,
em reportagem sobre as experiências desenvolvidas na época, inclusive
por cientistas americanos, alemães, ingleses dentre outros, na
transmissão de sons sem uso de aparelhos com fio. Ressalta o jornal:
-
- “Por entre os cientistas, o brasileiro Padre Landell de Moura é
muito pouco conhecido. Poucos deles tem dado atenção aos seus títulos
para ser o pioneiro nesse ramo de investigações elétricas. Mas antes de
Brigton e Ruhmer, o Padre Landell, após anos de experimentação,
conseguiu obter uma patente brasileira para sua invenção, que ele chamou
de Gouradphone“.
O jornal publica uma ampla reportagem sobre
Landell de Moura, sua vida e obra, completada por uma fotografia do
Padre, intitulada
-
- “Padre Landell de Moura – inventor do telefone sem fio” (denominação de época para a radiotelefonia ou a transmissão da voz humana à distância sem fio condutor).
Nas cartas-patentes, fica claro que o padre Roberto Landell de Moura
recomendou o emprego das ondas curtas para facilitar as transmissões
quando essas ondas não eram sequer cogitadas por outros cientistas.
Além disso, Landell deixou manuscritos que provam que, em 1904,
quando ainda estava nos EUA, projetou a transmissão de imagens
(Televisão) e textos (Teletipo) à distância sem fios. Ele batizou a
primitiva TV de “The Telephotorama ou A visão à distância”. Também há
documentação de que foi um dos pioneiros no desenvolvimento do controle
remoto pelo rádio. Esses projetos não foram adiante porque, como ele
próprio disse em uma entrevista à imprensa brasileira, foi “forçado” a
abandonar a carreira científica.
Roberto Landell de Moura faleceu de tuberculose, aos 67 anos, no
anonimato científico, no Hospital da Beneficência Portuguesa, em Porto
Alegre. Nos últimos momentos de sua vida, quando alguém indagou sobre os
progressos da radiodifusão, ele simplesmente respondeu: “São águas
passadas.”
Quem foi
O padre Landell de Moura nasceu no centro da cidade de Porto Alegre
(RS), em 1861. Realizou os seus primeiros estudos em Porto Alegre e São
Leopoldo, antes de seguir para a Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
Em companhia do irmão Guilherme, seguiu para Roma, matriculando-se a 22
de março de 1878 no Colégio Pio Americano e na Universidade Gregoriana,
onde estudou física e química. Completou sua formação eclesiástica em
Roma, formando-se em Teologia, e foi ordenado sacerdote em 1886.[1]
Quando voltou ao Brasil, substituiu algumas vezes o coadjutor do
capelão do Paço Imperial, no Rio de Janeiro, e manteve longos diálogos
científicos com D. Pedro II. Depois disso, serviu em uma série de
cidades dos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo: Porto Alegre,
Uruguaiana, Santos, Campinas, São Paulo.
Em Roma, iniciou os estudos de física e eletricidade. No Brasil,
como autodidata continuou seus estudos, e realizou as suas primeiras
experiências públicas na cidade de São Paulo, no final do século XIX.
O Exército Brasileiro em homenagem ao insigne cientista gaúcho,
concedeu em 2005 a denominação histórica de “Centro de Telemática
Landell de Moura” ao 1° Centro de Telemática de Área, organização
militar de telecomunicações situada na cidade de Porto Alegre.
Transmissão da voz
Foi pioneiro na transmissão da voz, utilizando equipamentos de rádio
de sua construção patenteados no Brasil em 1901, e, posteriormente,
nos Estados Unidos em 1904. Landell transmitiu a voz humana por meio de
dois veículos; o primeiro, um transmissor de ondas que utilizava
um microfone eletromecânico de sua invenção que recolhia as ondas
sonoras através de uma câmara deressonância onde um diafragma metálico
abria e fechava o circuito do primário de uma bobina de Ruhmkorff, e
induzia no secundário dessa bobina uma alta tensão que era irradiada ou
através de uma antena ou de duas esferas centelhadoras. A detecção era
feita por dispositivos que foram sendo melhorados ao longo do tempo.
O segundo meio utilizado pelo cientista era através do aparelho
de telefone sem fio, que utilizava a luz como uma onda portadora da
informação de áudio. Neste aparelho, as variações das pressões acústicas
da voz do locutor eram transformadas em variações de intensidade de
luz, de acordo com a onda de voz, que eram captadas em seu destino por
uma superfície parabólica espelhada em cujo foco havia um dispositivo
cuja resistência ohmica variava segundo as variações da intensidade de
luz. No circuito de detecção havia apenas o dispositivo fotossensível,
uma chave, um par de fones de ouvido e uma bateria. Por utilizar a luz
como meio de transporte de informação, Landell é considerado um dos
precursores das fibras ópticas.
O Padre Landell realizou experiências a partir de 1892 e 1893,
em Campinas e em São Paulo. O jornal O Estado de S.Paulo noticiou que,
em 1899, ele transmitiu a voz humana a partir do Colégio das Irmãs de
São José, hoje Colégio Santana, no alto do bairro de Santana, zona norte
da capital paulista. Também efetuou demonstrações públicas de seu
invento no dia 3 de junho de 1900 sendo noticiada pelo Jornal do
Commercio de 10 de junho de 1900:
-
- “No domingo passado, no alto de Santana, na cidade de São Paulo,
o padre Landell de Moura fez uma experiência particular com vários
aparelhos de sua invenção. No intuito de demonstrar algumas leis por ele
descobertas no estudo da propagação do som, da luz e da eletricidade
através do espaço, as quais foram coroadas de brilhante êxito.
Assistiram a esta prova, entre outras pessoas, Percy Charles Parmenter
Lupton, representante do governo britânico, e sua família“.
Em 1903, Arthur Dias, em seu livro “Brasil Actual”, faz referência a Landell de Moura, descrevendo, entre outras coisas, o seguinte:
-
- “logo que chegou a S. Paulo, em 1893, começou a fazer
experiências preliminares, no intuito de conseguir o seu intento de
transmitir a voz humana a uma distância de 8, 10 ou 12 km, sem
necessidade de fios metálicos.
Após alguns meses de penosos trabalhos, obteve excelentes resultados
com um dos aparelhos construídos. O telefone sem fios é reputado a mais
importante das descobertas do Padre Landell, e as diversas experiências
por ele realizadas na presença do vice-cônsul inglês de S. Paulo, Sr.
Percy Charles Parmenter Lupton, e de outras pessoas de elevada posição
social, foram tão brilhantes que o Dr. Rodrigues Botet, ao dar notícias
desses ensaios, disse não estar longe o momento da sagração do Padre
Landell como autor de descobertas maravilhosas“.
Incompreensão e descaso do Brasil
O êxito das experiências do Padre Landell não teve a devida acolhida
das autoridades brasileiras da época, conforme se verifica em reportagem
publicada no jornal La Voz de España, (editado em S. Paulo), no dia 16 de dezembro de 1900, que diz:
-
- quantas e que amargas decepções experimentou Padre Landell ao
ver que o governo e a imprensa de seu país, em lugar de o alentarem com
aplauso, incentivando-o a prosseguir na carreira triunfal, fez pouco ou
nenhum caso de seus notáveis inventos.
Estava em Campinas quando, numa tarde, ao retornar da visita a um
doente, encontrou a porta da casa paroquial arrebentada e seu
laboratório e instrumentos completamente destruídos.
Visto por uma população ignorante como “herege”, “impostor”,
“feiticeiro perigoso”, “louco”, “bruxo” e “padre renegado” por seus
experimentos envolvendo transmissões de rádio dois dias antes em São
Paulo, pagou com sofrimento, isolamento e indiferença sua posição de
absoluto vanguardismo científico.
Em junho de 1900, por carta, Landell de Moura pretendeu doar seus
inventos ao governo britânico, como registrou em pesquisa para doutorado
na USP, em 1999, o historiador da ciência Francisco Assis de Queiroz.
Em 1905, ao retornar ao Brasil após uma estada de três anos
nos Estados Unidos, ainda teve energia para enviar uma carta ao
presidente da República, Rodrigues Alves. Solicitava dois navios da
esquadra de guerra para demonstrar os seus inventos que revolucionariam a
comunicação (chegou a dizer que, no futuro, haveria comunicação
interplanetária).
O assistente do presidente, no entanto, preferiu interpretá-lo como
um “maluco” e o pedido foi negado. Na Itália, quando fez um pedido
semelhante, Marconi teve toda a esquadra à disposição.
Landell não conseguiu financiamento privado ou governamental para
continuar as suas pesquisas nem para construir equipamentos de rádio em
escala industrial.
Em Rondônia, o Pe. Vitor Ugo, então Secretario de Cultura
Esportes e Turismo, SECET , juntamente com seu adjunto Prof. Isaías
Vieira da Costa, implantou na década de 80 o CEPAV – Centro Audiovisual
Pe. Landell de Moura, que seria o embrião da TVE Madeira-Mamoré, Canal
2, emissora educativa do Sinred – Sistema Nacional de Rádio e TV
Educativa que funcionou por aproximadamente 5 anos. Tive a satisfação de
ser convidado por Vitor Ugo e Isaías para participar deste projeto
pioneiro. Como muitas outras coisas , em Porto Velho JÁ TEVE um canal de
tv educativa. E o Pe. Landell de Moura foi justamente homenageado,
àquela época.