Folha de S.Paulo, 22/10/2012
A Islândia é uma ilha com pouco mais de 300
mil habitantes que parece decidida a inventar a democracia do futuro.
Por uma razão não totalmente clara, esse
país que fora um dos primeiros a quebrar com a crise financeira de 2008 sumiu em
larga medida das páginas da imprensa mundial. Coisas estranhas, no entanto,
aconteceram por lá.
Primeiro, o presidente da República
submeteu a plebiscito propostas de ajuda estatal a bancos falidos. O
ex-primeiro-ministro grego George Papandreou foi posto para fora do governo
quando aventou uma ideia semelhante. O povo islandês, todavia, não se fez de
rogado e disse claramente que não pagaria nenhuma dívida de bancos.
Mais do que isso, os executivos dos bancos
foram presos e o primeiro-ministro que governava o país à época da crise foi
julgado e condenado.
Algo muito diferente do resto da Europa,
onde os executivos que quebraram a economia mundial foram para casa levando no
bolso "stock options" vindos diretamente das ajudas estatais.
Como se não bastasse, a Islândia resolveu
escrever uma nova Constituição. Submetida a sufrágio universal, ela foi aprovada
no último fim de semana. A Constituição não foi redigida por membros do
Parlamento ou por juristas, mas por 25 "pessoas comuns" escolhidas de maneira
direta.
Durante sua redação, qualquer um podia
utilizar as redes sociais para enviar sugestões de leis e questionar o projeto.
Todas as discussões entre os membros do Conselho Constitucional podiam ser
acompanhadas do computador de qualquer cidadão.
O resultado é uma Constituição que estatiza
todos os recursos naturais, impede o Estado de ter documentos secretos sobre
seus cidadãos e cria as bases de uma democracia direta, onde basta o pedido de
10% da população para que uma lei aprovada pelo Parlamento seja objeto de
plebiscito.
Seu preâmbulo não poderia ser mais claro a
respeito do espírito de todo o documento: "Nós, o povo da Islândia, queremos
criar uma sociedade justa que ofereça as mesmas oportunidades a todos. Nossas
diferentes origens são uma riqueza comum e, juntos, somos responsáveis pela
herança de gerações".
Em uma época na qual a Europa afunda na
xenofobia e esquece o igualitarismo como valor republicano fundamental, a
Constituição islandesa soa estranha. Esse estranho país, contudo, já não está
mais em crise econômica.
Cresceu 2,1% no ano passado e deve crescer
2,7% neste ano. Eles fizeram tudo o que Portugal, Espanha, Grécia, Itália e
outros não fizeram. Ou seja, eles confiaram na força da soberania popular e
resolveram guiar seu destino com as próprias mãos. Algo atualmente muito
estranho.
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