Enviado por luisnassif,
Por Jotavê
Ontem, o ministro Lewandowski fez basicamente duas coisas. Em
primeiro lugar, obrigou o Supremo a reconhecer explicitamente algo que
estava apenas implícito no discurso dos demais ministros: houve uma
mudança na jurisprudência. Ao citar um voto do ministro Celso de Mello
num processo anterior, Lewandowski deixou evidente que os critérios para
o reconhecimento da corrupção passiva se alargaram. Como o ministro
ressaltou, esse alargamento não tem nada a ver com a "exigência de ato
de ofício", como se antes fosse exigida a comprovação da prática de tal
ato. O que se exigia antes (e não se exige mais) é a comprovação de um
vínculo efetivo (e não meramente abstrato, virtual) entre o recebimento
presente e o ato futuro. Quem recebe a vantagem, pela interpretação
antiga, deveria de algum modo sinalizar a disposição de agir de tal e
tal modo no exercício de seu cargo de modo a retribuir a vantagem
indevida que está recebendo. Pela nova interpretação, a comprovação
desse vínculo tornou-se dispensável. Se Fulano recebeu dinheiro indevido
e existe a perspectiva (por abstrata que seja) de um favorecimento em
função do cargo que ocupa, então Fulano corrompeu-se, e ponto final.
Foi nesse momento que Lewandowski realizou um primeiro lance genial,
que exigirá no mínimo um grande esforço intelectual de seus pares no
sentido de planejar a reação correta. Ele ACATOU a nova jurisprudência
firmada por seus pares, e CONDENOU o réu Pedro Correia com base nela. A
denúncia evidenciou que Pedro Correia (i) recebeu o dinheiro e (ii)
tinha, em função do cargo que exercia, a possibilidade de retribuir
futuramente essa vantagem indevida, pouco importando aqui se retribuiu
ou não, ou mesmo se tinha ou não a intenção de retribuir. Como
Lewandowski bem disse, estava condenando Pedro Correia porque ele
recebeu o dinheiro de Marcos Valério e, além disso, "era parlamentar", e
isso basta. O efeito dessa condenação, feita sobre essas bases, podia
ser sentida no rosto da maioria dos ministros. Joaquim Barbosa era o
único que estava perfeitamente à vontade. Ele sempre foi a favor de
interpretações mais duras da legislação penal. Em 2009, por exemplo, foi
ele o maior defensor de que réus condenados em segunda instância
aguardassem recursos ao Supremo na cadeia. Foi voto vencido num Tribunal
"garantista", que põe os direitos individuais sempre acima dos direitos
da coletividade. À frente dessa "tropa garantista" estavam exatamente
Gilmar Mendes e Celso de Mello. Citando o voto anterior do ministro
Celso de Mello, que defendera até pouco tempo critérios "garantistas"
para a caracterização da corrupção passiva, e declarando que ele
próprio, Ricardo Lewandowski, modificava seu entendimento em função da
nova jurisprudência firmada por aquele colegiado, citando o voto de cada
um dos colegas, e dando destaque especial à nova posição do ministro
Celso de Mello, ele obrigou o plenário a assinar o recibo da mudança que
se estava operando ali, naquele julgamento, e fez isso de forma
inatacável - modificando "humildemente" sua própria posição a respeito, e
dando por assentada a nova "jurisprudência" firmada pelo STF. É tuo que
Celso de Mello e Gilmar Mendes não queriam - serem obrigados doravante a
usar o mesmo peso e a mesma medida do mensalão em casos assemelhados.
Veio, então, o segundo lance genial da tarde de ontem: a absolvição
de Pedro Henry por falta de provas. O que Lewandowski argumentou é que
não houve individualização da responsabilidade de Pedro Henry nos crimes
que lhe eram imputados. Eles estava sendo condenado, segundo o
ministro, simplesmente por ser presidente do PP, e porque o Procurador
"presumiu" que, sendo presidente de um dos partidos beneficiados pelo
esquema, Pedro Henry deveria estar no topo da "organização criminosa".
Lewandowski citou diversos trechos da denúncia, mostrando que jamais se
demonstrava ali que Pedro Henry, individualmente, havia praticado tal ou
qual ilícito. Ele foi incisivo ao afirmar que a denuncia não
individualiza os delitos atribuídos a Pedro Henry em NENHUM momento. O
desafio que ele lançava a seus colegas era claríssimo, e todos o
entenderam perfeitamente bem. "Abandonamos a antiga interpretação
garantista do crime de corrupção passiva. Vamos também abandonar, agora,
esse princípio básico do direito penal, que é o da individualizaçã da
culpa?". Mais ainda. Seu voto dizia, nas entrelinhas, algo que ficará
ressoando na segunda parte dessa "fatia", quando forem julgados José
Dirceu e José Genoíno: a partir de agora, o STF entende que basta ocupar
um certo lugar na hierarquia de um partido para automaticamente ser
responsabilizado por ações praticadas no âmbito daquele partido? É esse o
desafio que os "garantistas" do Supremo terão que enfrentar. São essas
as questões que Lewandowski, com seu voto, os obrigou a responder.
Estava lívidos. As câmeras da TV Justiça, sempre tão circunspectas,
foram obrigadas a percorrer os semblantes boquiabertos dos ministros.
Joaquim Barbosa, apesar das hemorróidas, estava confortabilíssimo em sua
poltrona.
Foi, até agora, o lance mais profundo e mais fino dessa belíssima
partida de xadrez disputada entre Joaquim Barbosa, de um lado, e Ricardo
Lewandowski, do outro. Não porque, repito, o voto de Lewandowski tenha
colocado em xeque as posições de Joaquim Barbosa. Esse talentoso e
implacável promotor está onde sempre esteve, com toda a legitimidade -
na defesa de uma interpretação mais dura da legislação penal, que não
facilite tanto a vida dos infratores. Os demais juízes é que ficam,
agora, em posição incômoda. Afinal, até antes de ontem, estavam
expedindo habeas corpus para garantir os direitos de um banqueiro que
subornava policiais, e protestando contra o uso de algemas em acusados
que não estivessem trajando bermuda e havaianas no momento da prisão,
nem tivessem entrado no camburão com o olho já carimbado por um
hematoma. A hipocrisia do "garantismo" do Supremo está com as vísceras
expostas sobre a mesa.
Grande Lewandowski!
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