publicado em recortes por graça c. moniz
As três jovens russas que cantaram uma música anti-Putin numa catedral ortodoxa – a letra suplica à Virgem Maria que afaste Putin do poder – começaram a ser julgadas no dia 30 do mês passado. |
Antes da sua detenção, Tolokonnikova era uma
estudante de Filosofia, Alekhina estudou jornalismo e escrita criativa e
estava envolvida em organizações religiosas de caridade e causas
ambientais. Samutsevich, a mais velha dos três, tem uma licenciatura em
programação de computadores. Estas jovens são membros de um grupo maior -
também apelidado de Pussy Riot - com um programa dito "radical"
patrocinado por ideias de esquerda que variam amplamente desde o
anti-autoritarismo ao feminismo. As suas ações envolvem flash mobs em
locais públicos e concertos com músicas em protesto.
Em janeiro deste ano, o grupo invadiu a Praça Vermelha, um local
usado durante a Rússia czarista para anunciar decretos do governo, e
executou uma canção intitulada “Putin Chickens Out”. Todos os oito
ativistas foram presos por protestos ilegais mas acabaram por ser
libertos. O grupo cita figuras como Michel Foucault e Julia Kristeva
entre as suas muitas fontes de inspiração, assim como a banda americana
de punk-rock Bikini Kill e o movimento “riot grrrl”, dos anos 90.
Tolokonnikova e Alekhina são mães de crianças pequenas, com quem não
estão desde a sua prisão.
As Pussy Riot, que aparecem sempre mascaradas (a intenção é a de
sugerir que qualquer pessoa pode ser uma Pussy Riot), juntaram-se no
final de setembro de 2011, logo após o presidente Vladimir Putin
anunciar que pretendia candidatar-se a um terceiro mandato.
Impulsionadas pelas teorias feministas escolheram um nome destinado a
levantar as sobrancelhas e combater noções preconcebidas sobre mulheres e
política.
A Igreja Ortodoxa, acusando-as de blasfémia, pediu que fossem
severamente condenadas, pelo que poderão, caso sejam culpadas, passar
(imagine-se!) até sete anos na prisão (ainda que a acusação do
Ministério Público peça só três). Não é difícil perceber a motivação
política (e a mensagem altamente repressiva) subjacente a este
julgamento. A banda foi acusada de vandalismo, desordem pública e de
"actos de ódio religioso" na catedral mas também na Praça Vermelha onde
deram um concerto não autorizado que fez parte de uma manifestação
anti-Putin. Na manifestação, à medida que cantavam, as mulheres foram
retirando a roupa, acabando em lingerie. A acusação destas mulheres é
mais do que um acto de injustiça e de crueldade absurdas, é um sinal de
que o Estado russo continua a censurar e reprimir os cidadãos que vê
como muito avant-garde. Putin tem dito muitas vezes que a modernização é
o objetivo do seu regime, mas a sua política vai descaradamente
deslizando em direção a algo flagrantemente anti-moderno (e
anti-ocidental) e mesmo medieval.
Além disso, este caso ilustra uma fusão – muito pouco desejada num regime dito democrático – entre política e religião, traduzida na crescente dependência (vá, “lealdade mútua”) de Putin da Igreja Ortodoxa Russa. As semelhanças entre o líder político e o patriarca da Igreja Ortodoxa Russa são assustadoramente semelhantes: cada um deles preside a um "reino" fortemente centralizado e extremamente hierarquizado e ambos são intolerantes face a desafios à sua autoridade. A Igreja Ortodoxa Russa é, em geral, profundamente conservadora, com fortes traços xenófobos e declaradamente anti-ocidental. Nos últimos anos, o clero de topo foi segurando as rédeas às suas opiniões de modo a não comprometer o Estado e a sua retórica de modernização. Mas, como o próprio governo começou a reprimir os ativistas anti-governo deixará de haver necessidade de quaisquer rédeas ao conservadorismo social. Bem, os perigos do fundamentalismo religioso são bem conhecidos…
Mais de 200 figuras russas da cultura e das artes assinaram uma carta
manifestando a sua indignação com esta paródia da justiça e mais de 41
mil soldados russos subscreveram a dita carta. Em São Petersburgo, Petr
Pavlensky, artista russo, coseu a boca em protesto contra a prisão das
ativistas e segurou um cartaz dizendo que "a atuação das Pussy Riot foi
uma repetição da ação de Jesus Cristo (Metódio 21:12-13)." A passagem
deste cartaz é uma famosa cena em que Jesus expulsa os comerciantes e
mercadores da igreja. Madonna recentemente passou em digressão pela
Rússia e aproveitou para defender a libertação das Pussy Riot. Claro que
uma organização ligada à Igreja Ortodoxa já veio pedir às autoridades
para cancelarem os dois concertos da cantora na Rússia, acusando Madonna
de interferir com os assuntos internos do país e de tentar influenciar
os tribunais. Outros artistas internacionais - como Jarvis Coker, dos
Pulp, Alex Kapranos, dos Franz Ferdinand, Johnny Marr, dos Smiths e a
cantora folk Corinne Bailey Rae - já se manifestaram contra as acusações
"grotescas" feitas a este grupo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por sua opinião