BWA quer tirar as faixas, para tornar bem visível… a publicidade |
Irlan SimõesPosted in: Destaques
Em novo capítulo da mercantilização do esporte, concessionária
que administrará estádios da Copa quer proibir torcedores de exibir seus
símbolos
O futebol brasileiro foi fortemente pressionado, nos
últimos anos, para “reorganizar-se”. Partia-se de um argumento razoável:
a “farra dos cartolas”, à fragilíssima estrutura, os negócios suspeitos
e a obscuridade do mundo do futebol. Mas este discurso foi apropriado
por setores cujos objetivos não eram nem democracia, nem transparência,
nem organização.
A campanha consistiu em dar ao futebol Brasileiro um toque mais
europeizado, chamado por muitos como “moderno”: clubes-empresas que
seriam os vetores de um grande negócio, atletas popstars, venda de naming rights: a identificação de campeonatos e principalmente das novas arenas – já reformadas e organizadas como shopping-centers – com as marcas dos patrocinadores.
Esses “ideais” cruzavam-se com interesses privados. O
ímpeto de organizar o futebol brasileiro e torná-lo mais “ético” não
passaria por sua transformação em um negócio. Pelo contrário, o que se
vê hoje no Brasil é que a medida em que se privatizam todas as peças das
imensas engrenagens do futebol, mais suspeito e comprometido esse
esporte vem se tornando. Com graves efeitos negativos, principalmente
para os torcedores.
Estádio público, propriedade privada.
O caso BWA ilustra muito bem essa realidade. A
empresa de propriedade de Bruno Balsimelli é hoje a maior
“concessionária” do futebol brasileiro. O grupo já tem investimentos nas
mais diversas áreas do futebol e vem inovando, a cada ano, em seu
cardápio, sempre apresentando suas “propostas” como único caminho viável
para uma modernização saudável.
A BWA começou sua aventura oferecendo serviços de confecção e
comercialização de ingressos para jogos, aplicando um modelo próximo aos
de grandes espetáculos musicais. Hoje, já tem contratos para assumir o
controle da entrada de torcedores nos estádios, do planejamento de
vendas de ingressos (melhor dizendo, especulação sobre ao valor dos
“espetáculos”) e porcentagem
em passe de jogadores. Aproveitando a Copa do Mundo de 2014, investiu
pesado e já obteve concessão para gerir a maior parte dos estádios
públicos brasileiros.
Por um lado, a BWA aproveitou-se da chamada “falta de
profissionalismo” de determinados clubes, ganhando o direito de arrancar
uma fatia da renda dos jogos e da venda de espaços publicitários. Para
obter a gestão dos estádios públicos (que assumirá apenas após a
conclusão das obras das novas arenas para a Copa), a empresa recebe aval
das antigas “superintendências”, que administravam os imensos estádios
do país.
Foi dessa forma que a BWA tornou-se uma das grandes
donas do futebol nacional. Ainda que seu nome estivesse envolvido em
casos bem obscuros.
Profissionalismo sem lei
Em 2009, foi desbarato, em estádios cujas catracas eram
administradas pela BWA, um esquema de ingressos falsos. A empresa não
tinha conhecimento da irregularidade. Segundo noticiaram (poucos…) meios
da imprensa esportiva nacional, no entanto, ela estaria acobertando e
se beneficiando em acordos com cambistas, além de cobrar altas taxas de
serviço aos clubes. Tudo isso, sem qualquer melhora na agilidade e
comodidade da venda de ingressos – as grande justificativas dos seus
contratantes e dos defensores dessa modalidade de negócio.
Como toda grande empresa no Brasil, a BWA passou por
cima desse problema com muita bajulação. Emplacou, no meio de todo o
alvoroço, uma matéria na revista Istoé Dinheiro,
que exaltava sua “criatividade empreendedora”. Era outro caso de
jornalismo publicitário, no mercado editorial “de negócios” brasileiro.
Mas a BWA não mostrou seu poder de influência apenas na
formação de opinião e na capacidade de sair ilesa de grandes escândalos.
Com o controle total de tudo que se passa dentro dos estádios, a
empresa tem mobilizado as forças de segurança para controlar ao máximo
os movimentos dos torcedores.
Com o controle da Arena Independência, estádio do
tradicional América-MG, a BWA tem usado e abusado das mais diversas
formas de restrição e controle, para potencializar seus lucros no
estádio. Recentemente, proibiu
a entrada e exposição das clássicas faixas e bandeirões nos estádios. A
justificativa, nas palavras do presidente do consórcio que gere o
estádio: “Já
vendemos espaço para propaganda e precisamos explorar isso. Se o
torcedor usar faixas, tampa a publicidade. Por isso, proibimos o uso de
bandeiras e faixas no anel intermediário e no superior”.
A medida é parte das grandes polêmicas que envolvem o
estádio. Torcedores reclamam de “pontos cegos”. São locais de onde não é
possível sequer visualizar todo o campo de jogo – e onde são
instaladas, ainda assim, cadeiras, numa agressiva afronta aos direitos
do público.
Curiosamente, esse problema tem se repetido nas mais
diversas “arenas modernas”. Há uma explicação clara: com a
individualização dos assentos e a obrigação de oferecimento de cadeiras,
os administradores dos estádios buscam aproveitar ao máximo o espaço
físico, com o menor custo.
O fim do “torcedor”
Os torcedores mineiros sofrem hoje um processo
denunciado há muito, quando os torcedores europeus em condições de
frenquentar os estádios queixavam-se de como um novo modelo pasteurizado
e higienizado de arena estava tirando “toda a diversão”.
Não bastasse a celeuma inicial com os bandeirões, tempos
depois a BWA queixou-se de que alguns torcedores tinham “incomoda
postura de assistir aos jogos em pé”, e a mania de chegar “em cima da
hora” dos jogos. Com isso, a empresa buscou justificar o problema das
filas e dos pontos cegos no estádio.
O mais curioso, no entanto, é perceber como esse ideal
de “modernização” tem força mesmo num país acostumado com imensos
estádios abarrotados de integrantes das classes populares. Diante da
polêmica da Arena Independência, o Ministério Público pronunciou-se, afirmando que caberia à concessionária fazer… uma “campanha de conscientização” para mudar essa tal “postura do torcedor”.
Não bastasse a BWA ter a carta-branca e se reivindicar
“dona” do estádio, agora cumpriria o papel de ser dona do próprio
“torcedor”? Na lógica do futebol-negócio, sim. Foi por isso que a
empresa desenvolveu – mais uma das suas grandes sacadas – a catraca com câmera para identificação visual.
Perspectivas futuras para o futebol brasileiro
O exemplo da BWA pode se repetir, nos próximos anos. Na medida em que
as arenas criadas, reformadas ou remodeladas para Copa do Mundo
estiverem prontas, a BWA, que obteve a concessão da maioria, tentará
submeter centenas de milhares de torcedores a processos parecidos de
controle e restrição. Pela lógica de “modernização” que está sendo
imposta, a proposta é bem simples: entra quem pode “consumir”.
É um dos resultados de algo paradoxal: as arenas terão seu
planejamento de lucratividade e gestão executados por uma empresa
privada, ainda que tenham sido construídas com verba pública. E para que
se mantenham lucrativas (“viáveis”… ) o Estado será acionado novamente
outras vezes, entrando com os recursos, enquanto as empresas
concessionárias se limitarão a buscar novos espetáculos. É provável que
esta lógica leve os clubes que já possuem seus próprio estádios a
utilizar essa nova, cara e antidemocrática estrutura.
* Irlan Simões é estudante Comunicação Social e escreve para a coluna Futebol Além da Mercadoria.
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