By Bruno Carmelo em Outras Palavras
A eleição de “Um Corpo Que Cai” como melhor filme da história revela a fraca representação social da crítica
por Bruno Carmelo, do blog Discurso-Imagem
A revista Sight and Sound divulga, a cada dez anos, uma lista dos melhores filmes da história, estabelecida por mais de 800 críticos do mundo inteiro. Cidadão Kane
(1941), de Orson Welles, era o vencedor há muitas décadas, e a
confirmação desta escolha, votação após votação, servia como uma
expressão de coerência e como vontade de validar o próprio gosto da
crítica.
Para a surpresa geral, na lista divulgada poucos dias atrás, um novo filme tomou à dianteira: Um Corpo Que Cai
(1958), de Alfred Hitchcock. Pequena revolução midiática: vários
jornais fizeram notícias a respeito, diversos críticos foram
questionados sobre o “novo melhor filme da história”, encorajados a
explicar porque este é melhor que aquele. Alguns críticos, como o
popular Rubens Ewald Filho, reclamaram por não terem sido convidados a
votar.
A partir destes fatos, uma coisa é clara: desde que foi realizado, Cidadão Kane não mudou, Um Corpo Que Cai
também não. Nenhuma descoberta ou invenção de nossos dias permite
justificar um novo valor atribuído a estes filmes. Ou seja, o único
elemento que se modificou nesta equação foram os próprios críticos, que
decidiram não mais seguir o voto que eles mesmos ajudaram a construir, e
preferiram se distinguir. A crítica procurou, por um lance estratégico, chamar novamente a atenção.
Não existe muito sentido em explicar porque o primeiro filme é melhor
que o segundo, e nem porque o segundo seria melhor que o terceiro, e
assim por diante. As listas do gênero nunca exigiram justificativas, e
esta não é diferente. Sites na Internet como Indiewire e The Hollywood Reporter revelaram um suposto complô para retirar Cidadão Kane
do topo. Os motivos seriam diversos, e louváveis: mostrar que a crítica
também evolui, que os novos críticos têm pensamentos autônomos, que o
próprio cinema tem progredido etc.
A lista permanece extremamente conservadora (os mesmos títulos e
autores de sempre são citados, e nada além da década de 1980 é
considerado), mas esta mudança simbólica pretende apresentar que, se a
crítica não se transformou completamente, ao menos ela continua
presente, ativa. Em seu vazio estrutural – falta de reconhecimento, de
formação, de organização profissional, de métodos ou objetivos comuns – a
crítica de cinema decidiu virar os holofotes para si mesma. Esta
categoria profissional tem mais uma vez a vontade de existir
socialmente.
Assim, pobre Hitchcock, pobre Welles, que têm pouquíssima importância
na própria lista em que são coroados. A vez e a hora são dos críticos
de cinema. Se as atenções de fato se viraram a eles – e este próprio
artigo contribui para repercutir a pseudo polêmica – agora falta saber o
que eles têm a dizer. Os críticos conseguiram despertar nosso
interesse, adormecido por décadas de consenso artístico. Mas o
importante começa agora: resta provar que esta mudança na lista não
representa uma mera manifestação egocêntrica, e que a nova crítica tem
de fato algo novo a dizer sobre o cinema.
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