Quando uma empresa de cigarros investe em educação para 'fazer pessoas melhores' fica um cheiro meio esquisito no ar
Altos funcionários de diversos países do mundo, empresários
e homens de negócios de todas as estirpes e representando os variados
setores da economia, acadêmicos respeitados mundialmente, ativistas
sociais e mais outras tantas pessoas 'importantes' estão reunidas no Rio
de Janeiro para a Conferência Mundial Rio+20. A preocupação com o meio
ambiente demorou para entrar na agenda de governos e empresas e, por
isso, eventos como os que acontecem agora na Guanabara são de
fundamental importância.
Estudiosos das organizações há certo tempo constataram que o mundo
corporativo, assim como as pessoas, seguem modas e modismos. Há mais ou
menos oito anos empresas começaram a se preocupar em ser sustentáveis e
socialmente responsáveis. A palavra de ordem virou sustentabilidade. A
figura da empresa que degrada o meio ambiente pega mundo mal no mundo de
hoje. Empresas também falam que começaram a se preocupar com a vida das
pessoas ao seu redor, criando projetos de "responsabilidade social".
Nada contra tais iniciativas, que são, na verdade, muito bem vindas,
afinal todos nós devemos lutar por um mundo melhor. Agora, quando uma
empresa de cigarros investe em educação para 'fazer pessoas melhores',
quando uma empresa petroleira investe para melhorar o meio ambiente e
assim por diante fica um cheiro meio esquisito no ar. Há uma incoerência
entre a sua atividade cotidiana e a sua dita responsabilidade social.
Vamos aos exemplos. A Profa. Liliana Segnini escreveu na década de
oitenta um livro magistral chamado "Bradesco a Liturgia do Poder" (São
Paulo, Educ, 1986). No texto, a Profa. mostra como o banco construía um
sistema de controle e dominação para disciplinar o corpo e a mente de
seus funcionários. Um dos componentes deste sistema era a instalação de
escolas de primeiro grau em áreas extremamente pobres do Brasil para que
as crianças, desde pequenas, fosse adestradas dentro da 'filosofia
Bradesco' e um dia se transformassem em funcionários do banco. Tirava-se
o beneficio da pobreza para criar desde pequeno um controle da mente,
ideal para ter funcionários que não questionam e amam a empresa.
Ola Bergström e Andreas Diedrich, da Universidade de Gotemburgo,
publicaram um artigo acadêmico recente no periódico Organization Studies
mostrando como uma empresa sueca de alta tecnologia recebeu prêmios por
ser 'socialmente responsável' no mesmo ano em que demitiu 10.000
funcionários. Isso porque muitos dos selos e prêmios de responsabilidade
social e sustentabilidade são baseados na análise de relatórios que
geralmente são maquiados para vender as iniciativas da empresa como
sendo melhores do que realmente são. São quase uma obra de ficção. Além
disso, os professores suecos mostram como a empresa, por ser grande e
ter muito poder, conseguiu influenciar para conseguir o tal prêmio,
apresar de ter feito um dos maiores cortes de funcionários da sua
história.
A moda da sustentabilidade e da responsabilidade social criou toda
uma indústria de consultores e consultorias especializadas, cursos,
palestrantes que ajudam as organizações a criar uma imagem de serem
sustentáveis e responsáveis socialmente sem que eles não mudem aspectos
centrais de seu negócio que é social e ambientalmente irresponsável.
Bobby Banerjee, professor e pesquisador da Universidade do Sul da
Austrália, possui estudos interessantíssimos em que ele mostra como a
moda da sustentabilidade está centralmente fundamentada em uma lógica da
racionalidade econômica, não em uma lógica ecológica.
Trocando em miúdos, isso significa que o meio ambiente virou um
produto de mercado e de consumo, como qualquer outro. A consequência
disso é que as empresas passam a ganhar a licença para explorar o
Meio-Ambiente ao seu bel prazer enquanto ficam com uma áurea de serem
ecologicamente responsáveis. A preservação do meio ambiente e o respeito
ao ser humano somente podem acontecer com uma mudança das relações
econômicas e sociais entre as pessoas. Não há como explorar petróleo e
minério e ser ecologicamente responsável ao mesmo tempo.
Não é possível querer lucros estratosféricos e respeitar a humanidade
dos funcionários. Não é possível adestrar pessoas ou demiti-las ao
milhares e se dizer socialmente responsável. No limite, não é possível
buscar a constante maximização de resultados e ser ecologicamente e
socialmente decente. Uma coisa vai excluir a outra. Dizem que o falecido
Prof. Maurício Tragtengberg costumava comentr que empresas existem e
servem para gerar lucro, assim como um leão é carnívoro. A rigor, não há
nada de surpreendente ou de novo nisso. Porém, há algo de estranho no
ar quando o leão anda pela selva dizendo que é vegetariano.
Rafael Alcadipani é professor adjunto da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas
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