Como começou sua vida junto à igreja evangélica? Como foi a sua entrada?
- Eu comecei aos 16 anos, numa igreja noepentecostal, mas depois migrei para a igreja batista. Eu me converti a partir da pregação de colegas, não era de família, que era católica. Hoje parte é católica e parte é evangélica.
Nessa época você já sabia que era gay? Já tinha tido relacionamentos com guris?
- Havia tido relacionamentos gays, sim, mas não assumia, eu pensava que fosse passageiro. Meu primeiro relacionamento foi aos 12 anos, com um garoto um pouco mais velho, de forma escondida, é claro, durante dois anos. Na verdade, queria pensar que tudo isso fosse passageiro, por causa das pressões em casa. Minha família era muito tradicional.
Como foi o processo de “virar ex-gay”?
- Na verdade, ex-gay não existe, é pura auto-sugestão. Eu comecei a ir à igreja e percebi que os homossexuais não tinham como lidar com suas ‘dificuldades’, por falta de orientação das lideranças, então decidi fundar o Movimento pela Sexualidade Sadia (Moses), junto com João Luiz Santolin e Liane França. Foi aí que comecei realmente a dizer em momentos oportunos que era ex-gay.
Você nunca se convenceu que tinha virado ex gay? Sempre soube que estava se enganando?
- Hoje sei que estava me enganando. Na época, pensava que qualquer sentimento ou atração fosse mera ‘tentação’ e que isso poderia ser superado com oração e dedicação a deus. No grupo, basicamente, pensávamos que ser gay fosse pecado, que devia ser confessado e abandonado e para isso, fazíamos proselitismo, aconselhamento, oração, pregação, recomendávamos certos livros, leitura bíblica, coisas que os crentes geralmente fazem, mas com foco na homossexualidade, sempre demonizando a homoafetividade, infelizmente. Eu trabalhei com a igreja num total de 18 anos, o Moses começou em 1997, em 2003 eu estava fora, foram quase sete anos. Tínhamos psicólogos parceiros e contávamos com vários voluntários. Uma vez enchemos um ônibus e levamos para o Miss Brasil Gay em Juiz de Fora só para evangelizarmos os LGBT que foram ao evento, mas na diretoria eram cerca de 10 pessoas.
Mas como era esse processo de ‘abandonar o pecado’? Era como um tratamento?
– Isso não acontecia de fato, era o que se chamava discipulado, acaba sendo uma lavagem cerebral. Você tem que se isolar do seu antigo círculo de amigos, começar a se enfiar nas reuniões da igreja, fazer sessões de aconselhamento, orar, jejuar, essas coisas. Quando acontecia de alguém se envolver com outro homossexual, ele tinha que confessar o que fez, UMA LOUCURA DO CARALHO! Desculpe, mas ainda hoje tenho até raiva de lembrar disso.
Por que raiva?
– Ninguém deixava de ser gay, houve relacionamentos até dentro do grupo, entre uma atividade e outra da igreja, eles sempre arrumavam tempo pra isso. Você consegue imaginar quanto sofrimento para mim mesmo e para todos os que atuaram ou foram influenciados por esse trabalho? É irritante! E tem gente até hoje repetindo esse discurso imbecil.
O que tu sente quando vê pessoas como o pastor Silas Malafaia fazendo pregações do tipo que você fazia? É um discurso parecido?
– Ele é um idiota! Eu era um garoto quando me envolvi com tudo isso, tinha pouquíssima experiência de vida e não ainda não havia tanta informação como hoje. Agora, ele atua na base da má-fé mesmo, com interesses financeiros, projetos de poder, etc. E diz ele que nunca foi gay, será? Fico muito desconfiado de gente que gasta tanta energia e dinheiro para combater algo que não tenha nada a ver consigo mesma. Entendo heterossexuais que compreendem os riscos da homofobia, mas não entendo heterossexuais que quase surtam só por saberem que os gays estão felizes, saudáveis e produzindo para o país…
Será que não é pra ter uma bandeira atualmente? Ganhar visibilidade, sei lá…
– Não deixa de ser má-fé. Só confirma minha tese.
Quando você decidiu que era momento de parar? Você saiu do movimento ao mesmo tempo em que saiu do armário?
– Sim, saí ao mesmo tempo. Tudo aconteceu quando eu tive certeza de que já tinha feito e crido ao máximo. A gota d’água foi uma viagem a Cingapura, durante a qual conheci um filipino e fiquei com ele. Já voltei decido que iria colocar um fim nessa panacéia. Fiz isso e comecei imediatamente a repensar diversas das minhas posturas e crenças, levou ainda dois anos para que eu dissesse tudo o que digo até hoje. Houve perseguição por parte do Moses, muita gente ficou em choque, mas eles tiveram que se dobrar, pois minha atuação no movimento era grande. Minha maior projeção, porém, se dava na igreja. Eu era pastor, editor do jornal Desafio das Seitas, que teve seu auge durante minha atuação, e por aí vai…
E na sua família? Qual foi a reação?
– Houve um choque por parte dos meus pais, mas meus filhos nunca criaram problema, só ficaram perplexos, porque eu saí da igreja, já que eu era tão dedicado. Separei-me da mãe deles, mas isso não criava grandes problemas, aparentemente. Só me perguntaram francamente sobre o assunto aos 12 (ela) e aos 11 (ele). Ambos compreenderam numa boa e sempre foram meus amigos. Relacionam-se muito bem comigo e com meu parceiro Emanuel.
Você hoje se sente completo, feliz?
– Sim, hoje me sinto em paz comigo mesmo, feliz e me pergunto como pude ter suportado tanta castração inútil por tanto tempo.
Você acha que o que vocês faziam era uma violência, contra vocês mesmos, e contra os outros?
– Sim, era uma violência contra nós mesmos, por termos internalizado a homofobia que nos circundava desde cedo, e contra os outros, porque reproduzíamos essa mesma homofobia que eles mesmos já tinham internalizado. Só reforçávamos ainda mais isso.
Você não apenas largou a igreja, o movimento, como deixou de acreditar em deus… Como se deu isso?
– Isso se deu em função de questionamentos honestos e ousados sobre deus/deuses, escrituras cristãs e de outras religiões, igreja e outras instituições religiosas. Meu pensamento e atitude com relação a ideia de deus/deuses não é mero fruto de sofrimento com essa ou aquela igreja ou crença. Na verdade, muitas igrejas se abriram para mim quando saí do armário e confessaram seu interesse em que eu, não só participasse da vida da igreja, como ministrasse como pastor dela. O próprio bispo fundador da Metropolitan Community Church, Troy Perry, me disse isso pessoalmente. Também não foi por ver mau comportamento de crentes em geral, uma vez que conheço alguns que considero pessoas fantásticas até hoje (tanto do mainstream evangélico e protestante, como das modernas igrejas inclusivas). Tendo isso em mente, nem deus, nem escrituras, nem igrejas passam pelo crivo da razão, e não me refiro à razão de uma mente brilhante como a de Nietzsche, Darwin, Sartre, Hopkins, Dawkins, etc., refiro-me à razão de uma mente mediana como a minha. Não posso ir contra mim mesmo e contra aquilo que enxergo tão distintamente. No entanto, defendo a liberdade. E por isso, crer e não crer são coisas que não podem ser controladas, coibidas, exceto quando colocam os direitos humanos em xeque.
Pra terminar, o que você diria pra um jovem gay que está passando por este processo de ‘cura espiritual da homossexualidade’? Vale a pena?
– Conversão religiosa que não admite e CELEBRA sua homossexualidade não merece seu tempo e talento. Se quiser frequentar alguma comunidade, procure uma que tenha maturidade até para questionar a validade das assertivas religiosas. Mas, preferencialmente, viva sem depender de muletas existenciais quaisquer que sejam elas. Aproveito para sugerir a leitura de um post escrito por mim. Esse post nasceu do esboço de uma palestra que dei na Igreja Ecumênica de Copacabana por ocasião das comemorações do dia da Bíblia no calendário católico. Foi esse ano.
William De Luca é repórter de economia do Jornal da Paraíba. Jornalista, ativista LGBT.
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