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Valores referem-se a parcerias financiadas pelo Ministério da Justiça e pela prefeitura de Porto Alegre | Foto: Elson Sempé Pedroso / CMPA |
A prefeitura de Porto Alegre aponta que o Instituto Ronaldinho Gaúcho (IRG) deve aos cofres públicos R$ 858,2 mil. O valor é referente a dois convênios do executivo municipal com a entidade. A informação veio à tona pela primeira vez na tarde de terça-feira (22), durante uma reunião da Comissão de Educação da Câmara Municipal.
O encontro foi convocado especialmente para que a secretária municipal de Educação, Cleci Jurach, prestasse esclarecimentos sobre o convênio com o Instituto Ronaldinho Gaúcho para a execução do Letras e Gols – que fornecia atividades em horário inverso ao do turno escolar para crianças da rede municipal de ensino entre 6 e 14 anos.
No entanto, o secretário municipal de Governança, Cezar Busatto, também apareceu na reunião, já que sua pasta era responsável por monitorar outro convênio, o Jogos de Verão, firmado entre a prefeitura e o Ministério da Justiça com o Instituto Ronaldinho Gaúcho.
Apesar de informarem os valores que teriam sido mal aplicados pela instituição na realização das parcerias, nenhum dos dois secretários detalhou especificamente como teria se dado a má utilização dos recursos. Só se limitaram a informar que os R$ 858,2 mil – somados os dois convênios – não foram investidos de acordo com o previsto nos planos de trabalho.
Uma das parcerias, chamada Jogos de Verão, conta com recursos do Ministério da Justiça e foi firmada em 2008. Foram R$ 2,3 milhões repassados pelo governo federal e R$ 51 mil pela prefeitura. Desse total, uma auditoria feita pela Secretaria Municipal da Fazenda demonstra que o Instituto Ronaldinho Gaúcho aplicou incorretamente R$ 354,9 mil.
Além disso, a prefeitura também sustenta que houve má utilização de recursos públicos em outra situação. Desta vez, em relação a um convênio firmado exclusivamente com o município, sem verbas federais, para a execução do projeto Letras e Gols. Dos R$ 2,9 milhões repassados diretamente pela prefeitura da Capital ao Instituto Ronaldinho Gaúcho entre 2007 e 2010, a Secretaria Municipal da Educação alega que R$ 503,3 mil foram aplicados fora dos parâmetros determinados pelo contrato.
O Paço Municipal já comunicou à entidade sobre essas duas pendências e exige a reposição dos valores investidos. Os R$ 354,9 mil referentes aos Jogos de Verão terão que ser devolvidos à prefeitura, que repassará o montante ao Ministério da Justiça. E os R$ 503,3 mil ficarão com a cidade, pois são recursos próprios do orçamento municipal.
Reunião foi tensa e durou mais de três horas
A reunião da Comissão de Educação da Câmara Municipal para discutir os contratos da prefeitura com o Instituto Ronaldinho Gaúcho durou mais de três horas. O clima do encontro era de tensão e a adesão dos vereadores foi surpreendente. A pequena sala da comissão chegou a abrigar 22 dos 36 parlamentares – quorum que muitas vezes nem as sessões plenárias possuem. Além disso, as cadeiras reservadas ao público também lotaram, fazendo com que simpatizantes da prefeitura e da oposição trocassem farpas durante boa parte do encontro.
O vereador Mauro Pinheiro (PT), que coleta assinaturas para a instalação de uma CPI para investigar os contratos do Instituto Ronaldinho Gaúcho com a prefeitura, apontou suspeitas em contratações que a entidade realizou para a operação do programa Jogos de Verão, que proporcionada competições esportivas a jovens em situação de vulnerabilidade social. O petista alega que o Instituto Nacional América (INA), contratado pela entidade de Ronaldinho Gaúcho para gerir as atividades do Jogos de Verão, não detalhava os gastos apresentados nas notas fiscais.
No total, o INA recebeu R$ 479 mil e apresentou dez notas fiscais. O vereador estranhou o fato de as notas possuírem numeração contínua e não descrevem onde foi investido o dinheiro. “O que exatamente o INA fez nesse projeto? Que profissionais contratou e que funções desempenhou?”, quis saber o parlamentar.
O fato de as notas constarem apenas que os recursos foram aplicados “na prestação de serviços conforme o contrato” deixou o vereador Haroldo de Souza (PMDB) indignado. “Alguém tem que dizer onde esse dinheiro foi gasto. E esse alguém não sou eu”, criticou. A vereadora Fernanda Melchionna (PSOL) também cobrou detalhamento das informações. E não entendeu porque a prefeitura de Porto Alegre realizou um convênio com a Procempa para fornecimento de materiais ao Instituto Ronaldinho Gaúcho. “É um desvio de finalidade da Procempa fornecer cortinas e pias”, recriminou.
Secretários alegam que prefeitura cumpriu suas obrigações
A secretária municipal de Educação, Cleci Jurach, disse que o contrato do projeto Letras e Gols previa que a prefeitura abasteceria a infraestrutura do Instituto Ronaldinho Gaúcho durante os seis primeiros meses de vigência do convênio. Mas não soube explicar porque a Procempa foi a entidade escolhida para realizar o fornecimento de materiais. “Tínhamos interesse de que isso ocorresse o quanto antes, porque estávamos sendo cobrados pelos baixos índices dos alunos no Ideb”, alegou Cleci.
A secretária detalhou as mudanças realizadas ao longo dos anos em que a prefeitura manteve o contrato com o Instituto Ronaldinho Gaúcho. Em julho de 2008, a prefeitura reajustou a parceria para R$ 494,7 mil, referente ao aumento na demanda de 300 para 500 alunos atendidos.
Em maio de 2009, o valor repassado pela prefeitura subiu para R$ 1,2 milhões, e o número de estudantes contemplados no projeto passou a ser 700. E em maio de 2010 foi feito um aditivo, estendendo a parceria para fevereiro de 2011. Porém, no final do ano passado o Instituto Ronaldinho Gaúcho resolveu interromper o convênio com a prefeitura.
Já o secretário municipal de Governança, Cezar Busatto, respondendo pelo convênio dos Jogos de Verão, alegou que a prefeitura realizava um controle periódico dos repasses ao Instituto Ronaldinho Gaúcho. “Uma comissão composta de cinco secretarias acompanhou a execução do convênio e analisou as prestações de conta. Os desembolsos só ocorriam mediante o fornecimento de informações por parte do instituto”, explicou. O secretário também informou que a prefeitura devolveu R$ 418.4 mil ao governo federal – dinheiro que sobrou, devido à interrupção do contrato, referente aos R$ 2,3 milhões que o Ministério da Justiça repassou ao executivo municipal para o convênio com o Instituto Ronaldinho Gaúcho.
“Estamos com as portas abertas para esclarecimentos”, diz advogado
A reunião da Comissão de Educação da Câmara Municipal contou com a presença de dois representantes do Instituto Ronaldinho Gaúcho: o gerente de projetos Luciano Comasseto e o advogado Sérgio Queirós. Comasseto disse que sempre houve “uma relação muito técnica e profissional” com a prefeitura de Porto Alegre na execução do projeto Letras e Gols. “As crianças eram atendidas, inclusive, em janeiro e em fevereiro. E havia visitas periódicas do Ronaldo, sem que a imprensa soubesse”, garantiu. Ele demonstrou irritação quando o vereador Mauro Pinheiro (PT) começou a citar notas de contratações do Instituto Ronaldinho Gaúcho com outras entidades para a aplicação dos Jogos de Verão e chegou a dizer que as falas “pareciam um deboche” com a instituição.
Queirós reiterou que, se houverem irregularidades comprovadas, a entidade está disposta a devolver valores aos cofres públicos. Mas argumentou que houve mudanças por parte da prefeitura na execução dos Jogos de Verão. “O convênio do Ministério da Justiça previa cursos de barman e frentistas. Mas não tínhamos como dar essas aulas a crianças, então foram feitos ajustes”, explicou. Ele aponta que as irregularidades captadas pela prefeitura podem advir dessas modificações.
“O ideal do Instituto Ronaldinho Gaúcho não é outro senão prestar serviço aos jovens e propiciá-los um desenvolvimento saudável. Estamos com as portas abertas para solicitações de documentos e informações, não temos nada a ser omitido”, defendeu.
Oposição ao PT sugeriu envolvimento do governador Tarso Genro
Outro fato novo surpreendeu durante a reunião da Comissão de Educação da Câmara Municipal para avaliar os convênios da prefeitura de Porto Alegre com o Instituto Ronaldinho Gaúcho. Vereadores governistas sugeriram envolvimento do governador Tarso Genro no tema.
Isso porque Tarso era o ministro da Justiça em 2008 e foi um dos signatários do contrato entre a prefeitura de Porto Alegre e a instituição de Ronaldinho para a execução dos Jogos de Verão. “Foi um convênio que veio pronto do Ministério e determinava que o Instituto Ronaldinho Gaúcho havia sido a entidade eleita para realizá-lo”, informou o secretário municipal de Governança, Cezar Busatto.
Visivelmente irritado com a tentativa de instalação de uma CPI, o vereador Nilo Santos (PTB) disse que a Câmara Municipal deveria cobrar esclarecimentos do governador do Estado. “O Tarso é o pai de toda essa confusão”, disparou o petebista, cujo partido é aliado do Palácio Piratini.