Bob Dylan |
No dia em que Bob Dylan se torna septuagenário, Obvious faz um pedido: cada leitor com seu disco predileto na playlist. Esta é a melhor homenagem que podemos fazer ao autor de "Blowin’ in the Wind."
É muito recomendável duvidar, uma vez ou outra, da relevância artística de mais um disco ou mais uma turnê mundial dos Stones, de Paul McCartney, de Bob Dylan e de outros dinossauros da música pop. Em geral, não é isso que acontece. Quando esses grandes nomes da história da música lançam algo novo, a crítica e o público costumam reagir sob formas extremadas: ou são tomados por um fanatismo extraordinário - e não conseguem, por isso, vislumbrar possíveis qualidades e defeitos nas obras em questão - ou relegam tais obras ao limbo do anacrônico, do superado, do mero artefato de museu.
Crítica e público não conseguem, pelo mito que permeia tais nomes, ouvir os discos ou apreciar os shows como uma continuidade da trajetória musical destes artistas. É sempre um acontecimento de exceção, como se estes artistas saíssem do seu estado fantasmagórico, do sagrado olimpo dos anos 60 e 70, apenas para avivar a memória dos esquecidos: “Olhem, estamos vivos, continuamos respirando. Vejam, falta pouco, mas ainda somos de carne e osso”.
A indústria do pop, sabe-se lá por que caminhos, tratou de desumanizar o seu astro, a sua estrela. Extirpou-lhe a angústia, a falta de inspiração, os descaminhos e, sobretudo, as rugas - em certos casos, extirpou a sanidade mental e até o nariz e a cor da pele, como, por exemplo, em Michael Jackson. Por ser uma indústria exigente e sedenta, está sempre clamando pelo mais novo. O velho não tem vez, a não ser que seja mito – e aí se instaura o caso descrito no começo deste texto.
Percebam que até hoje, quando Bob Dylan estampa uma capa de revista (reparem, aqui no Brasil, na “Bravo!” e na “Cult”), na maioria das vezes a sua foto é da época dos seus vinte, trinta anos, porque este é o Dylan que a indústria pop quis/quer cristalizar: o cara que fugiu de casa aos 17 (16,15,14, 13 - fique com sua versão dos fatos), começou compondo folk tradicional, eletrificou este gênero e mudou para sempre a maneira de escrever letras para a canção – até então, artigo de segunda grandeza na oficina do pop. O cara que escreveu Like a Rolling Stone, o hit mais improvável da história, uma canção de seis minutos que fala do universo sombrio e desregrado da boêmia Greenwich Village.
A indústria pop esquece, ou não se interessa, infelizmente, pelo Dylan maduro dos anos setenta, dos grandes discos Blood on the Tracks (meu predileto desde sempre) e Disere desta década; esquece sua curiosa e inesperada conversão ao cristianismo, as lindas canções gospel que escreveu na sua trilogia cristã (Slow Train Comming/Saved/Shot of Love); esquece a mega banda que ele criou com os amigos George Harrison, Tom Petty e Roy Orbison, os Traveling Wilburys; esquece o bom disco Oh Mercy, de 89, e os bons discos que gravou no final dos anos noventa e durante a primeira década do novo milênio.
Na altura do lançamento de Modern Times, disco de 2006, li em algum lugar um artigo que indagava porque Bob Dylan precisava gravar mais um disco, o que ele tinha mais que provar com isso. Ora, ora, Dylan não precisa provar nada pra ninguém, a não ser pra ele mesmo, e o fato de continuar escrevendo e gravando canções não implica necessariamente ele ter quer provar algo a alguém. Creio que ele quer apenas continuar fazendo o que sempre fez, que foi compor e cantar suas músicas, pelo simples fato de ainda continuar vivo. Se ele ainda não deu sua obra artística por acabada, não seremos nós, público e crítica (a indústria do pop), desprovidos da sensibilidade do gênio, que iremos fazê-lo.
Hoje, 24 de maio, se comemora o aniversário de Robert Allen Zimmerman, seus 70 anos. Vamos comemorar a vida. Coloque cada um o seu disco predileto (o meu Blood on the Tracks já está furando, de tanto tocar) e o escute em homenagem ao grande Dylan.
Esqueçam do mito, por que este não chora e não sente alegrias, é desumanizado, é frio e estático como uma estátua de gesso, como uma capa de revista. Lembrem-se do homem que revolucionou a história da música popular mundial e que, ainda hoje, continua compondo, gravando e influenciando as melhores cabeças do planeta Terra. Vida ainda mais longa a Robert Allen Zimmerman!
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