Publicado por: Fernando Nogueira da Costa
Adriana Cotias (Valor, 19/07/10) mostra o apego dos espanhóis pela propriedade imobiliária, diferentemente dos vizinhos franceses que adotaram a experiência da locação social de moradias, cuja propriedade é estatal. Estudo realizado pela Fundación Cajas de Ahorros y el Instituto Valenciano de Investigaciones Económicas (Ivie) revela que 85% dos imóveis na Espanha são próprios. Ela é o país industrializado da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em que a promoção imobiliária e a construção têm maior peso relativo na economia e no emprego. Em 2008, nada menos do que 62,7% do estoque de capital da economia era formado por terrenos e imóveis, dado da Fundação BBVA e do Ivie. No entanto, o mercado de crédito imobiliário nesta parte da Península Ibérica é relativamente novo e só se desenvolveu nas últimas duas décadas.
Era experiência que, há cerca cinco anos, antes da bolha imobiliária estourar, se dizia que o Brasil poderia replicar. O setor bancário, lá e cá, dá extrema importância à garantia real constituída pelo próprio imóvel. Aqui, a agenda microeconômica, no início do governo Lula, possibilitou a alienação fiduciária passar pelo crivo do Judiciário. Ela e a vontade política de implementar o financiamento habitacional foram decisivos para o boom imobiliário atual no País.
Na Espanha, no período entre 1995 e 2007, o financiamento à compra de moradias se multiplicou por nove. Atualmente, o estoque soma mais de € 655 bilhões. O volume destinado à construção civil cresceu quase sete vezes e os recursos endereçados à promoção imobiliária tiveram aumento de 25 vezes.
No Brasil, as operações de crédito imobiliário com recursos da poupança atingiram R$ 23,8 bilhões no primeiro semestre deste ano de 2010, registrando o melhor resultado para esse período na série histórica iniciada em 1967. De acordo com a Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), o valor superou em 77% o montante contabilizado no mesmo período do ano anterior. Em quantidade, foram 187,6 mil unidades financiadas com recursos de depósitos de poupança, com expansão de 51,5%. Os dados mostram ainda que o percentual de financiamento vem crescendo nos últimos anos, atingindo no semestre a média de 61,9% do valor total da moradia.
A Caixa Econômica Federal fechou o primeiro semestre de 2010 com volume recorde de R$ 34,1 bilhões em crédito imobiliário, em mais de 5,75 mil contratos. O volume é equivalente a crescimento em valor de 95,1% ante o mesmo período de 2009. Do total liberado, R$ 16,48 bilhões foram destinados ao programa Minha Casa Minha Vida. O montante liberado nesse primeiro semestre superou todo o volume destinado a moradias no ano de 2008, quando foram emprestados R$ 23,3 bilhões. Até o final deste ano de 2010, a Caixa estima que a aplicação de recursos em crédito imobiliário irá superar R$ 60 bilhões.
A venda movida a crédito na Espanha possibilitou prazos de financiamentos que foram progressivamente se alargando e chegaram a 50 anos, contratos indexados à euribor (a taxa interbancária europeia) e sistema bancário notadamente voltado para o varejo, com ampla rede de distribuição. A grande competição entre tantas entidades financeiras localizadas na rua, com inúmeras sucursais abertas, relaxou a mitigação do risco. Os contratos com vencimentos longos e a securitização, que tirava esse aparente risco do balanço das instituições, é que estimularam a oferta alavancada. A cada €3 de empréstimos hipotecários, € 2 estavam securitizados.
Foi nesse ritmo que o crédito total da economia espanhola em relação ao PIB passou de 80% para 200% em dez anos. A família média da Espanha viu seu endividamento se multiplicar por seis.
Há 20 anos, o balanço dos bancos exibia situação de equilíbrio entre depósitos e empréstimos, mas no período mais recente o sistema passou a depender de outras fontes de captação não tradicionais para fazer frente ao crescimento do crédito. Entre 2003 e 2007, as taxas de juros permaneceram baixas, havia excesso de liquidez que levou à alavancagem exagerada, alguns bancos assumiram demasiados riscos e agora vão ter que pagar por isso. Estima-se prazo de cinco anos para que famílias e empresas, ou seja, toda a economia espanhola passe por processo de desalavancagem.
A Espanha desfrutou por muito tempo do dinheiro barato que se multiplicou na zona do euro. Com o acesso fácil, o sistema se alavancou. A abertura financeira para o capital externo levou a que os depósitos de varejo perdessem peso principalmente nas chamadas “cajas de ahorros”, entidades típicas de poupança que financiam a aquisição de moradias e a promoção do setor.
Como em qualquer bolha imobiliária clássica, com a sobra de liquidez, os empréstimos habitacionais passaram a ser liberados em cifras superiores à avaliação dos imóveis, já antecipando a valorização que se esperava para vir depois. Os preços inflaram, como se aqueles imóveis vendidos fossem subir de valor indefinidamente. A salvaguarda do país concentra-se nos grandes bancos comerciais, porque instituições como Santander e BBVA tomam €70 como depósito de pessoas físicas, com base de captação bastante pulverizada, a cada €100 que emprestam.
Conforme quantifica, atualmente, há cerca de 1 milhão de moradias vazias no mercado espanhol. O que está sendo hipotecado é pouco, porque há muitos imóveis em estoque. Em 2007, o país chegava a produzir 850 mil unidades habitacionais por mês, número que caiu para o mínimo de 100 mil em 2010. Agora, a sobreoferta começa a ser consumida. Esse é ajuste que deve levar, no mínimo, mais dois anos.
A expectativa de elevação da massa de renda da população, acompanhando o ritmo dos preços dos imóveis no país, afasta o mercado imobiliário brasileiro das características clássicas de formação de bolha. Comparando o cenário doméstico com a bolha hipotecária vista em 2008 nos Estados Unidos e na Espanha, em que o preço das casas crescia em ritmo muito mais rápido que o da renda da população, o Brasil ainda está longe de crise imobiliária.
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